sábado, 27 de fevereiro de 2010

Alto-Tâmega (Anelhe - Chaves) - Programa Nacional de Barragens: «Toda a discussão gira à volta do medo, da apatia, do oportunismo e da ausência»

Alto Tâmega (Anelhe - Chaves) - Programa Nacional de Barragens
«Toda a discussão gira à volta do medo, da apatia, do oportunismo e da ausência»


António Luis Crespí (Prof. Doutor) Herbário, Jardim Botânico Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, CITAB, Vila Real

A reunião de ontem (26/02) em Anelhe - Chaves foi, aparentemente, muito construtiva e agradável. Como já é hábito entre o povo português voltei a encontrar a amabilidade e a inesgotável hospitalidade que sempre caracterizou a alma lusitana. Contudo saí daquela reunião com uma inquietação que, desde há muito tempo, me vem acompanhando.

Depois de ser testemunha de um uníssono "barragem não!", que por outro lado não me surpreendeu, pois ultimamente já ouço muito este grito de protesto, passei a ver a outra face deste refrão "... e se for que seja a mais pequena!".
Rapidamente veio à minha mente aquela imagem de novela, já muitas vezes representada em filmes e no teatro, em que os escravos estão a ser vendidos num leilão público: o vendedor mostra a força e o formidável estado de saúde da vítima de tão infame venda; o público plenamente satisfeito por tão saudável exibição começa a ofertar valores pela compra da humilde vítima,... 300, 312, 315, 320...!!; e, de repente, nesse ambiente de excitação oportunista o escravo exclama "…se tiver que ser, nunca por mais de 312!!".

Quando acabou a nossa calorosa reunião uma entrevistadora veio ter comigo e me fez algumas questões. Entre elas queria saber a razão pela qual todos os estudos do recurso natural dos concelhos do Tâmega tinham sido sistematicamente evitados, ou impedidos de os fazer.
- "A culpa é dos autarcas que passaram pelos governos das autarquias?", inquiriu incisiva. - "Não!", respondi categoricamente, "... se a culpa é de alguém será do povo, que foi quem escolheu e escolhe os autarcas", respondi eu.

Estamos a criar uma sociedade viciada na ausência. A ausência de quem fechando os olhos julga que resolverá os problemas que nos afligem. A ausência de quem, deixando cair as suas forças, vai permitindo que o rio do benefício rápido e efémero o leve na direcção das cascatas do abismo. Esta não é a sociedade que pessoas, como as que integram o vosso grupo e os outros que convosco lutam, pretendem criar. É por isso tempo de mostrar firmeza, consistência nas afirmações e pretensões. É, em definitivo, o vosso tempo!.

Esta luta é quiçá uma luta mais feroz, pois o inimigo é nós próprios. Toda a discussão do Programa Nacional de Barragens gira à volta do medo, da apatia, do oportunismo e da ausência. Do medo a uma crise económica crónica e à derrota política; da apatia daqueles que de longe vem, ouvem e não mostram interesse; do oportunismo dos que pensam que o lucro rápido será o que lhes fará viver melhor; e da ausência dos que se deixam ser arrastados pela força de uma corrente que mata e destrói o que a natureza nos deu para viver.

É preciso e urgente recolher todos os artigos, estudos e contribuições que, à volta deste assunto são publicados e divulgados nos vossos endereços da internet e fazê-los chegar à Europa e ao Mundo. 


Acaso os espanhóis não pensam da mesma forma?


Acaso aceitariam que uma empresa com capital deles estivesse a destruir sem qualquer planeamento sustentável o recurso natural português?


Será que Bruxelas aceitaria que um membro da comunidade utilizasse este recurso, sem estudar com profundidade as repercussões que este processo arrastaria para o desenvolvimento económico da Europa?

Este processo está viciado, mas não sejamos nós também a viciá-lo. Exijamos seriedade e procuremos planos de desenvolvimento económico-sociais sustentáveis a médio e longo prazo. Não permitamos a venda de escravos, pois esses escravos devem também desfrutar do tesouro natural que temos. Só assim criaremos uma sociedade feliz e plena.


António Luis Crespí (Herbário, Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) - 27 de Fevereiro de 2010

1 comentário:

Anónimo disse...

Li com muito gosto a posição desasombrada que tomou na reunião de Anelhe/Chaves.
Revejo-me integralmente nas suas ideias e considerações inclusive nas que se referem à apatia para que nos deixamos arrastar por autênticos encantadores de serpentes.
É este sem dúvida o estado a que o povo português chegou infelizmente. Seria necessário uma abordagem sociológica mais profunda para concluir das razões profundas deste estado de coisas.
Talvez o Dr. António Barreto, ilustre professor de sociologia política nos pudesse ajudar a perceber o fenómeno. Conheci-o aí em Vila Real pelos idos de 60 do séc. passado quando sendo estudante na faculdade de Coimbra passava férias junto dos seus familiares que viviam então nessa pequena cidade.
Talvez ele nos dissesse que esta apatia ainda é um reflexo de quarenta e muitos anos de ditadura.
Só que a maioria dos que hoje fogem à luta e ao debate são precisamente aqueles que nasceram depois da revolução. O que nos leva a outra pergunta que é a de que para que serviu a revolução se não foi para mudar as mentalidades. Porque na minha opinião esta questão é sobretudo de mentalidades e menos político- económica do que se julga.

Luis van Zeller de Macedo