Rui Cortes (UTAD) critica sucessão de barragens no rio Tâmega
"Barragem de Fridão vai agravar a qualidade da água"
É um homem ligado ao ambiente. Tanto que, em 1979, trocou Lisboa por Vila Real para estar mais próximo do terreno. Rui Cortes é professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), é consultor e está a analisar os estudos de impacte ambiental dos empreendimentos que integram o Plano Nacional de Barragens. O docente diz que Fridão tem que ser analisada em conjunto com as quatro barragens do Alto Tâmega e alerta para as graves consequências ambientais, destacando a degradação da qualidade da água.
Enquanto especialista da área do ambiente, qual a sua opinião sobre a Barragem de Fridão?
Esta barragem tem que ser enquadrada com o conjunto das outras barragens do Tâmega. Fridão encontra-se a jusante de outro conjunto de empreendimentos, designadamente Alto Tâmega (Vidago) e Daivões, no rio Tâmega, Gouvães e Padroselos, nos seus afluentes. Vai haver um conjunto total de cinco empreendimentos de grande vulto no Tâmega, mas é preciso não esquecer que ainda existe outra barragem mais a jusante de Amarante, que é o Torrão. O rio vai ficar completamente “regularizado”, um termo técnico que não quer dizer que as coisas melhorem. A qualidade da água vai realmente ser alterada.
Quais os principais impactes provocados pela construção das barragens previstas para o Tâmega e seus afluentes?
Em primeiro lugar o agravamento da qualidade da água. Isto é, uma barragem vai diminuir a capacidade que o rio tem de depurar os materiais, o que vai resultar numa concentração de poluentes e numa grande degradação da qualidade da água. Esta é uma situação preocupante. Mas depois há todo um conjunto de situações que se poderão suceder como, por exemplo, o aparecimento de algas tóxicas, que surgem em meios com poluição e que põem em risco a utilização da água para regadio direto ou abastecimento público.
Aqui quero salientar um aspeto essencial. É que vai ter que haver um esforço a nível de gestão da bacia hidrográfica no sentido de diminuir a poluição que se verifica atualmente. Só a nível de estações de tratamento de águas residuais existem as de Chaves, Mondim de Basto ou Amarante que funcionam extremamente mal. Depois, toda a veiga de Chaves leva também uma grande quantidade de nutrientes para dentro de água e ainda existem várias indústrias agroalimentares de enchidos ou laticínios. Tudo isto a drenar para o rio. Por isso tem que haver um grande investimento no sentido de diminuir essas afluências ou então temos uma situação dramática do ponto de vista ambiental.
Podemos ter que viver com um rio com um excesso de algas tóxicas que põem em causa todo um conjunto de utilizações.
E a biodiversidade do Tâmega?
Do ponto de vista da biodiversidade as consequências são muitíssimo grandes.
Uma barragem é um meio artificial no qual as nossas espécies naturais, como os peixes ou os invertebrados, não se vão adaptar. Por isso, o que podemos assistir é a uma expansão de espécies exóticas.
Mas existem outras situações que poderão ser criadas com um meio inteiramente novo como é uma barragem. O Tâmega, em todo aquele setor que vai ser submerso, tem uma vegetação ribeirinha muito variada e densa. Com a submersão da cortina ripícola, vegetação de transição entre o meio aquático e terrestre, desaparecem todas as espécies que estão associadas, verificando-se, também aqui, uma grande alteração com a substituição de espécies náuticas por espécies exóticas.
Fridão vai ser construída relativamente próxima da cidade de Amarante. Existe mesmo o perigo de rutura da barragem?
Na minha opinião isso é uma questão psicológica. Admito que a cidade de Amarante fique fortemente preocupada, tem toda a razão para isso com a construção da barragem, porque a relação da cidade com o rio vai ser fortemente alterada. Mas, do ponto de vista do risco de rutura da barragem, parece-me que é uma questão secundária.
Lembro que a barragem de Bagaúste fica mais próxima da cidade da Régua do que Fridão vai ficar de Amarante. Existe um grande conjunto de povoações que estão próximas de barragens.
E hoje já existe um cuidado muito grande a esse nível. O próprio INAG (Instituto da Água) e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), possuem uma comissão própria de fiscalização das barragens, uma situação que não se verificava há umas dezenas de anos, numa altura em que se verificaram ruturas de barragens, essencialmente de terra e não deste tipo, que são feitas de betão.
Muitos ambientalistas e especialistas dizem que é um “exagero” o número de barragens incluído no plano do Governo. Qual é a sua opinião?
Das dez previstas barragens do plano, apenas foram adjudicadas oito porque não houve concorrentes para duas das barragens. São todas de grande dimensão e correspondem a três por cento da produção energética nacional. É claro que três por cento é um valor pequeno, mas representa uma contribuição assinalável apesar de tudo. O que é na minha opinião mais preocupante é o facto de três por cento representar aquilo que são dois anos de acréscimos de consumo que se verificam em Portugal. Quer isto dizer que estas duas barragens, ao fim de dois anos, já não compensam o aumento dos consumos energéticos.
As barragens implicam impactos ambientais grandes, mas produzem resultados apenas a curto prazo.
Outra coisa que é preciso ter em conta é que existe um grande interesse em relação aos empreendimentos hidroelétricos porque, em quatro ou cinco anos, o investimento é pago. Na região norte, do Minho até ao Douro, existem quatrocentos pedidos de licenciamento de mini hídricas.
Neste momento estamos mais preocupados com as grandes barragens mas uma sucessão de dezenas ou centenas de empreendimentos hidroelétricos provoca impactos tão grandes como várias grandes barragens.
Qual deveria ser a aposta do país?
Tem havido um aumento das necessidades de energia e não tem havido cuidado a nível da eficiência energética. O que dá dinheiro são os empreendimentos de vulto, mas nós não estamos a apostar a nível de poupança de eletricidade, que continua a aumentar. Era preciso ter cada vez mais cuidados a nível da eficiência.
A sua vida é uma roda viva, sempre de um lado para o outro. Quais são os projetos onde está atualmente envolvido?
Fui convidado pelo Instituto da Água para ser consultor. Neste momento estou a acompanhar o Sabor e Foz Tua, na questão da minimização dos impactes ambientais destas barragens e ainda a analisar os estudos de impacto ambiental de todas as outras barragens.
Estou também a colaborar com a Administração da Região Hidrográfica do Norte relativamente às questões da monitorização. Definir a rede e o processo de monitorização que vai ser conduzido e que tem que arrancar já esta primavera.
Paula Costa e Jorge Sousa, in repórter do marão, N.º 1231, ANO 25 (pp. 8 e 9) - de 10 a 23 de Fevereiro de 2010
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