António Luis Crespí,
Herbário, Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, CITAB, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apdo. 1013, 5001-801 Vila Real, acrespi@utad.pt
O presente parecer é desenvolvido a partir do Resumo Não Técnico e da documentação que sobre a AIA está recolhida no site da empresa adjudicatária para a realização da obra em causa (http://www.edp.pt/pt/sustentabilidade/EDPDocuments/Estudos%20de%20impacte%20ambiental/Fridão/RNT-Nov09.pdf). Objectivos Através da análise dos documentos mencionados será efectuado um estudo crítico do Resumo Não Técnico, objecto da presente discussão pública. Esta análise determinará a validez científica deste documento, especialmente em relação à flora e vegetação, bem como nas implicações ecológicas deste nível trófico no ecossistema onde pretende ser construída a barragem.
Introdução O empreendimento proposto constitui, em termos funcionais do ecossistema em causa, um tipo de alteração ambiental substancial, que implicará um claro empobrecimento na complexa organização dinâmica de estados de equilíbrio (Hanski, 2001; Rohde, 2005), bem como na diversidade genómica existente, na qualidade das águas e no ordenamento pasiagístico desta região. Em relação à funcionalidade do ecossistema, desde uma perspectiva dinâmico-estrutural, a construção da albufeira implicará uma clara redução dos estados de equilíbrio funcionais, tal como resulta apreciável na Figura 1, onde está representado, de modo muito esquemático, o possível efeito da aplicação do presente empreendimento.
Figura 1.- Diversidade das situações de equilíbrio dinâmico estrutural, ao longo da área abrangida pelo empreendimento proposto (áreas adjacentes ao empreendimento; e zona de implantação da albufeira). É visível a progressiva diminuição destas situações de equilíbrio dinâmico (representados por cada um dos pequenos vales ao longo de um mesmo transepto), com a aplicação do empreendimento proposto ou sem ele.
A área intervencionada sofrerá, inevitavelmente, uma diminuição drástica de estados de equilíbrio (e, portanto, da sua complexidade dinâmico-estrutural), o que acabará por provocar uma acentuada diminuição da biodiversidade e, consequentemente, das combinações biológico-estruturais. Através do princípio da continuidade ecológica (Vandermeer, 1999), este efeito obrigará a um esforço suplementar por parte das áreas adjacentes. Tal esforço traduzir-se-á numa progressiva diminuição da complexidade biológico-estrutural, com uma perda apreciável de caos estrutural (Souza & Buckeridge, 2004). Deste modo será patente a redução de estados de equilíbrio dinâmicos (representados na Figura 1 pelos pequenos vales), resultando num claro empobrecimento do ecossistema em relação a sua resistência e resiliência, garantias estas da funcionalidade do sistema (Ives & Gross, 2000).
Ao longo de séculos, a diversidade funcional do ecossistema objecto do projecto foi assegurada pela predominância da heterogeneidade ambiental, que distribuía as diferentes variáveis ambientais de um modo mais complexo e disperso ao longo de toda a área (Turner & Chapin, 2005) em matrizes ambientais e biológicas infinitesimais. Estas variáveis ambientais acabavam assim por constituir um diversificado elenco de factores ecológicos, que incidiam sobre os indivíduos aumentando o caos estrutural (Hastings et al. 1993; Prigogine, 1993) e, consequentemente, a diversidade de comportamentos estruturais e taxonómicos (ver Figura 2) num ambiente evolutivo com uma importante percentagem de não linearidade (Gassmann et al., 2005).
Figura 2.- Representação da variação do caos estrutural das comunidades ao longo de um gradiente de diversidade de variáveis ambientais e, ao mesmo tempo, de intensidade destas variáveis. A progressiva diminuição do número de variáveis ambientais, bem como o aumento do protagonismo de umas poucas em detrimento das restantes, provocará uma acentuada diminuição do caos estrutural e, consequentemente, das situações de equilíbrio estrutural-dinâmico. Tal fenómeno incidirá numa diminuição da resistência e resiliência das comunidades, as quais terão que recorrer a taxa exóticos que consigam proporcionar uma resposta mais eficiente perante este desequilíbrio ambiental.
Tendo em consideração que a presença do elemento antrópico provoca variações importantes na matriz ambiental e, consequentemente, biológica, o agroecossistema do Tâmega constitui um conjunto extremamente complexo de situações de equilíbrio em constante e continua mudança. Esta dinâmica de variação dos estados de equilíbrio será a resposta dos indivíduos a essas variações ambientais que de modo continuado intervêm no ecossistema.
A presença de uma albufeira como a aqui proposta provocará uma alteração intensa na matriz ambiental e na biológica, de repercussões desconhecidas. Tal circunstância obrigará a um estudo prévio muito pormenorizado do ecossistema objecto da alteração, pois só assim será possível ter uma ideia aproximada da complexidade das matrizes ambiental e biológica. Por tal motivo, o estudo de impacte ambiental aqui apresentado deverá, obrigatoriamente, salvaguardar este carácter abrangente, pormenorizado e devidamente discutido com base no elevado volume de resultados que venham a ser obtidos.
Discussão
A primeira alusão à flora e vegetação surge numa vaga e inadequada descrição referente à “Caracterização da zona de implantação” (capítulo 5, página 14). De acordo com esta descrição, a zona onde será instalada a obra “… é dominada pelo pinheiro bravo e eucaliptal, ocorrendo as espécies de maior interesse em manchas dispersas de carvalhal e na galeria ripícola do rio Tâmega, em particular a jusante da barragem principal,…”. Uma descrição sumária como a solicitada neste capítulo introdutório está muito longe de responder ao texto referido. Pela leitura desta descrição é notória a falta de visão paisagística por parte do avaliador, além da aparente ignorância do mesmo em relação à importância do elenco florístico existente nas formações vegetais não florestais (arbustivas, rupícolas, de leito de cheia ou de pastagens). De facto este capítulo não está isento de contradições. Assim, por exemplo, em relação ao uso do solo (capítulo 5, página 15) o avaliador incide na “… grande intervenção humana com uma floresta intensiva por pinhal bravo e eucalipto, zonas de pastoreio e agrícolas.” Com base nesta descrição estaríamos perante uma típica paisagem ibero-atlântica ocidental, não fragmentada, atendendo à presença de explorações florestais e ganadeiras. É preciso lembrar, neste sentido, que o Parque Nacional da Peneda-Gerês ou o Parque Natural do Alvão estão caracterizados por uma paisagem deste tipo e, no entanto, são áreas protegidas. Por tal motivo, não só esta descrição não resulta apropriada ao contexto da área do projecto, como também não proporciona uma ideia real da ocupação do solo nesta zona.
Esta deficiente descrição ecológica da área origina um dos aspectos mais deficientes de todo o documento. Este encontra-se, precisamente, na análise dos Impactes do projecto (capítulo 6, página 16), mais especificamente em relação aos impactes negativos. Segundo consta nas páginas 18 e 19, os impactes em termos da flora e vegetação e da paisagem são pouco consistentes. Aparentemente, segundo o avaliador, estes impactes irão a ocorrer de forma mais significativa “… sobre as espécies típicas do leito do rio, como salgueiros, freixos e ameais e algumas manchas dispersas de carvalhos.” De facto, o avaliador insiste neste aspecto pouco significativo e, já em relação à paisagem, indica como impactes mais importantes os resultantes da “… submersão de alguns elementos e/ou pequenos troços do rio com interesse paisagístico e/ou lúdico recreativo, que são contudo impactes pontuais e passíveis de minimização.” Este atrevimento resulta ser ainda mais persistente no fim deste parágrafo, quando o avaliador considera oportuno opinar do seguinte modo: “… o nível do plano de água da albufeira do Escalão Principal permite uma utilização lúdica e recreativa da albufeira e uma maior relação visual e funcional como o plano de água, não se perdendo, contudo, a imagem de algum encaixe da zona de vale, aspectos que concorrem para uma valorização dos aspectos cénicos e paisagísticos do vale do Tâmega”.
Alertado por estes comentários e discussões sem qualquer consistência científica, que deixavam entrever não só erros básicos de funcionalidade dos ecossistemas, como também uma falta de notória de informação em relação à flora e vegetação da área do projecto, considerei oportuno consultar a documentação que sobre este assunto está disponível no site da empresa EDP (http://www.edp.pt/pt/sustentabilidade/EDPDocuments/Estudos%20de%20impacte%20ambiental/Fridão/RT%20-%20Volume%201/AP_Cap-IV.pdf). Neste sentido, na página 173 do capítulo IV-Descrição do estado actual do ambiente- me foi possível confirmar as minhas sospeitas. No subcapítulo 10.3.2, destinado a explicar a metodologia a aplicar para o estudo da flora e vegetação, é recolhido um ambicioso programa de fases para esta análise, as quais passam desde uma análise horizontal da vegetação (Fase 2, 3 e 5), até um estudo estrutural e florístico (Fase 4), juntamente com uma desconcertante “Caracterização fitogeoclimática” que protagoniza a Fase 1. Tendo em consideração esta estruturação faseada para o estudo da flora e da vegetação, os resultados obtidos deveriam ser ricos e diversificados, permitindo uma discussão dos mesmos igualmente enriquecedora. Porém, tal nunca chega a acontecer, pois de forma surpreendente o avaliador oferece um conjunto extremamente pobre e frustrante de resultados.
Estes resultados surgem no subcapítulo 10.3.3, ou de “Enquadramento Geral”. Em primeiro lugar o avaliador atreve-se a afirmar que a zona de estudo “… constitui em termos ecológicos um conjunto de biótopos de características xerotérmicas acentuadas relativamente à envolvente.” De acordo com esta afirmação estaríamos perante um ecossistema com uma matriz ambiental muito diversa, o que já está a enriquecer o mesmo. O principal problema está no facto de que esse comentário, como tal, não quer dizer cientificamente nada, uma vez que não são indicados os pisos bioclimáticos presentes, os valores dos índices de termicidade aplicados ou algum parâmetro que funcione como descritor. Contudo, o mais desconcertante ainda está por vir no parágrafo a seguir: “De acordo com os trabalhos de Pina Manique e Alburquerque (1982)…” O avaliador só utiliza esta bibliografia fitoclimática?.
Permitam-me lembrar um pequeno conjunto de outras contribuições, que também abrangem a área de estudo:
..... CAPELO, J., MESQUITA, S., COSTA, J. C., RIBEIRO, S., ARSÉNIO, P., NETO, C., MONTEIRO-HENRIQUES, T., AGUIAR, C., HONRADO, J., ESPÍRITO-SANTO, D., LOUSÃ, M. -2007- A mehodological approach to potential vegetation modeling using gis techniques and phytossociological expert-knowledge: application to mainland portugal. Phytocoenologia, 37 (3-4): 399-415.
...... CORREIA, A. I. -1997- Essai de phytoclimatologie dynamique sur le nort du Portugal. Lasgacalia, 19(1-2): 413-422.
...... CRESPÍ, A. L.; SILVA, L.; RIBEIRO, J. A.; COELHO, A.; AMICH, F. & BERNARDOS, S. 2001. Modelo de caracterização fitoclimatológica do Nordeste de Portugal. I. Análise metodológica e primeiros resultados. Silva Lusitana 9(1): 69-81.
...... FREITAS, R., ROCHA, J., CRESPÍ, A. L., CASTRO, A., BENNET, R. N., ALVES, P., GARCÍA-BARRIUSO, B., AMICH, F. 2008. The occurrence of alien species for Northern of Portugal. Apparent bioclimatic indicators?. Studia Botanica (in press).
...... FRANCO, J. DO A. 1994. Zonas fitogeográficas predominantes de Portugal Continental. Annais Instituto Superior de Agronomia 44: 39-56.
...... LOUSÃ, M. F. -2004- Bioclimatologia e séries de vegetação de Portugal. Lazaroa 85: 83-86.
...... MARTINS, A. R.; CRESPÍ, A. L.; BERNARDOS, S.; BRANCO, M. A.; CASTRO, A.; FERNANDES, C. P.; JANIAK, A.; SANTOS, C.; AFONSO, C.; CARVALHO, G.; LOBATO, A.; HOELZER, A.; AMICH, F. & WOZIWODA, B. 2004. Sistema de caracterización fitoclimatológico de taxones en el Norte de Portugal. II. Grupos bioclimáticos. Bol. Real Soc Esp. Hist. Nat. (Ser. Biol.) 99(1-4):5-17.
...... MARTINS. A., CRESPÍ, A. L., CASTRO, A., FERNANDES, C. P., ROCHA, J., BERNARDOS, S., AGUIR, C. & AMICH, F. -2006- Contribución para la caracterización florístico-ambiental del Norte de Portugal. Botanica Complutensis 31 ( in press).
...... MOLINA, R. T., TELLEZ, T. R. & ALCARAZ, J. D. -1992- Aportación a la bioclimatologia de Portugal. Anales del Jardín Botánico de Madrid, 49(2): 245-264.
Como não poderia ser doutro modo, a caracterização biogeográfica apresentada não só mostra uma clara e indiscutível desactualização, como também um total desajuste com a realidade. Neste sentido volta a chamar a atenção um aspecto que permite ver a ignorância do avaliador, agora quando trata o extremamente complexo caso do taxon Quercus pyrenaica. De facto, o avaliador indica que este taxon consegue chegar até à foz do rio Tâmega (“… até à confluência do Rio Douro…”) e desconhece que de facto esses indivíduos foram classificados como endemismos extremamente raros, conhecidos como Quercus x henriquesii Franco & Vasc. In Annais Inst. Super. Agron. 21: 25 (1954).
As análises biogeográficas efectuadas até à presente data pelo Herbário do Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro já detectaram a complexidade biogeográfica do vale do rio Tâmega (ver referências bibliográficas acima citadas). Esta complexidade não resulta só de uma evolução histórica glacial e inter-glacial, como também é o resultado da intrincada orientação deste curso fluvial, que acaba por proporcionar um efeito de refúgio/corredor muito dinâmico. A redução do problema a uma mera transição eurosiberiana-mediterrânica mostra, novamente, um claro desinteresse por parte do avaliador.
No capítulo 10.3.4 o EIA entra já na análise específica da Flora. A primeira abordagem diz respeito ao comportamento corológico, facto este que a partida já causa muita surpresa, uma vez que não existe qualquer referência à riqueza florística da região (análise do catálogo florístico, comportamentos fisionómicos, fenológicos ou riqueza taxonómica por habitats, análise sistemático-filogenética,…). O avaliador opta, sem causa justificada, por aplicar a hierarquia de Rivas-Martínez (1985) e a caracterização biogeográfica de Costa et al. (1998). Em relação a esta, novamente injustificada, tomada de decisão surgem duas questões determinantes:
...... a) A riqueza florística em causa tem origens diversas (euroasiáticas de diversos tipos, neotropicais, paleotropicais, mais recentes –atlánticas, mediterrânicas, subendémicas ou endémicas- ou alóctones), aspectos estes que não são se quer mencionados.
...... b) A caracterização de Costa et al. (1998) já está mais actualizada em Capelo et al. (2007).
Curiosamente, agora passou a ser mais complexa do que a versão aqui utilizada.
Deste modo, e seguindo os critérios muito discutíveis escolhidos pelo avaliador, a caracterização biogeográfica é aborrecida e triste, uma vez que não reflecte a extrema riqueza biogeográfica da região. Chamo a atenção aqui para o aspecto extremamente relevante das glaciações neogénicas, os efeitos de corredor e refúgio florístico, a importante presença de ilhas biogeográficas presentes nesta região, a importância do acesso exógeno recente (resultante das alterações ambientais provocadas neste ecossistema), ou o acentuado efeito geo-corológico de uma região como esta com importantes variações no perfil do vale. Nenhuns destes aspectos são aqui mencionados.
O penúltimo parágrafo é, no mínimo, suspeito. De acordo com o avaliador, e tendo em consideração o carácter ameno do clima desta região, tal facto faz com que “Esta situação possibilita que a flora medioeuropeia domine neste território com formações arbóreas caducifólias e apresentando uma diversidade florística elevada com frequentes habitats hidrófilos”. Os interrogantes são óbvios: qual é a flora medioeuropeia?, onde está o dado segundo o qual afirma que a diversidade florística é elevada?, se os habitats hidrófilos fossem tão frequentes o presente projecto não violaria claramente convenções como a de Ramsar ou a própria Estratégia Nacional de Conservação da Natureza?.
Já o último parágrafo desta mesma página (página 180) e o primeiro da seguinte (página 181) não tem qualquer sentido, uma vez que levanta sérias dúvidas mencionar aqui espécies características das dunas costeiras (Armeria pubigera, Coincya jonhstonii, Jasione lusitana, Salix arenaria), juntamente com taxa de montanha de enquadramento taxonómico duvidoso (Scilla merinoi, Dianthus laricifolius subsp. caespitisifolius, Ophioglosum lusitanicum) sem fazer qualquer menção aos outros muitíssimos endemismos referenciados, catalogados e herborizados nesta região (Dianthus pungens subsp. langeanus, Digitalis amandiana, Paradisea lusitanica, Pterospartum tridentatum subsp. cantabricum, Luzula sylvatica subsp. henriquesii, Anarrhinum duriminium, Carex elata subsp. reuteriana, Veronica micrantha, etc. etc.).
Seguindo a mesma ordem imposta pelo trabalho de Costa et al. (1998), uma vez que o avaliador retira todo este texto desta única obra, aparece outra afirmação extremamente vaga e não representativa deste ecossistema. Citando o escrito pelo autor deste EIA, “… a vegetação climácica é constituída pelos carvalhais mesotemperados e termotemperados do Rusco-aculeati-Quercetum roboris,…”. A questão agora é lógica, … e o resto?. Onde aparecem aqui contempladas as formações de bosques atlânticos hiperhúmidos colinos e montanos relíticos de Fraxinus angustifolius e Alnus glutinosa?; e a dos sobreirais ibérico-ocidentais do Noroeste peninsular? (que de modo quase insultante e absolutamente desencaixado sintaxonomicamente refere mais abaixo como “… normalmente associado aos carvalhais de Quercus robur, podendo no entanto surgir como elemento clímax nas estações xero-térmicas mais acentuadas.”); e essas Isoeto-Nanojunceteas com as sempre filo-biogeograficamente enigmáticas Alismátidas?; que foi das Potameteas que com as Ranunculion cobrem de branco as margens do Tâmega?; e as reverdejantes Asplenieteas dos taludes ombrófilos que vão caindo sobre o rio?; e novamente etc. etc. Mais uma vez não encontramos catálogo, neste caso sintaxonómico, análise corológica das formações climácicas, discriminação das espécies características, ou qualquer análise florístico-comunitária neste sentido.
O último parágrafo desta mesma página 181 é mais um sinal do descuido reincidente e característico por parte do avaliador. Isto é, uma relação muito geral e vaga de taxa florísticos, sem qualquer tipo de correlação fito-ambiental.
Na seguinte página (página 182) o avaliador descobre uma nova referência bibliográfica (Franco, J. 1973. Zonas fitogeográficas predominantes. Notícia explicativa III.6, Atlas do Ambiente, Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território). Sem qualquer razão quebra a organização do texto e volta novamente às questões biogeográficas, resume brevemente o explicado pelo já falecido Sr. Professor João de Amaral Franco e não compara com os comentários anteriores. A interrogante que invade ao leitor é a razão pela qual surge aqui este parágrafo…
Mas a nossa dúvida em relação ao aparecimento desta última referência bibliográfica é rapidamente esclarecida no capítulo 10.3.4.2. A avaliação do valor florístico da zona de estudo será agora feita com base naquele trabalho. A razão de tal decisão centra-se na caracterização corológica que o Prof. Amaral Franco faz na sua internacionalmente conhecida e reconhecida Nova Flora de Portugal. Bom!..., a razão é fundamentada… pelo menos assim seria se o avaliador opta-se por aplicá-la, facto este que não chega a ser concretizado. Nas páginas seguintes não surge nenhuma referência à caracterização corológica de Franco (1973), ou qualquer tipo de análise correlativo neste sentido. É pena, mas não é compreensível esta falta grave por parte do avaliador.
De facto, o capítulo 10.3.4.2 (Valores Florísticos Referenciados na Zona Fitogeográfica do Noroeste Ocidental) constitui mais um exemplo contra a boa prática na realização deste tipo de estudos. Antes de nada, o avaliador deve compreender a relevância e o alcance do termo “Valores Florísticos Referenciados”. Referenciados por quem?, com base em que?, de acordo com quais critérios?.
Olhando para a legislação ambiental em vigor não consigo encontrar um fundamento ao critério adoptado pelo avaliador. Aparentemente, e sem qualquer razão justificada, o autor deste trabalho opta por utilizar unicamente a relação de habitats e taxa referenciados na Directiva nº 92/43/CEE (Conselho da Europa, 21 de Maio de 1992). A aplicação deste método de trabalho implica defeitos extremamente importantes no trabalho desenvolvido, de modo que os resultados obtidos acabam por não ter qualquer representatividade. As listagens publicadas nos Anexos da Directiva Habitats, constituem instrumentos de trabalho básicos e muito gerais para todo o espaço europeu. Cada geossistema deve ser objecto de um estudo cuidadoso e pormenorizado em relação a sua riqueza biológica, tendo em consideração as funcionalidades dos ecossistemas em causa, bem como os comportamentos corológicos e metapopulacionais de cada taxon. Deste modo, espécies que a priori poderiam não ser consideradas como raras ou ameaçadas acabariam por adquirir esse estatuto na área de trabalho; taxa funcionalmente generalistas poderiam adoptar funções especialistas neste geossistema; ou, simplesmente, taxa com distribuições restringidas poderiam encontrar óptimos ecológicos nesta região, o que implicaria uma protecção redobrada nesta zona do país. Fenómenos como este são actualmente contemplados com análises RELAPE (espécies Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou em Perigo de Extinção), não contempladas na presente proposta.
Como resultado desta errática opção, por parte do avaliador, a relação dos taxa e habitats relacionados na página 183 não passa de um conjunto sem nexo com o projecto em causa. Taxa tais como Narcissus asturiensis, Linaria coutinhoi, Scilla odorata ou Dorycnium pentaphyllum subsp. transmontanum não apresentam qualquer ocorrência na área de estudo (sendo que os dois últimos são taxa com integridade morfológica extremamente duvidosa). O restante conjunto de espécies desta mesma relação são um conjunto não representativo da riqueza florística rara ou ameaçada da região.
Finalmente, e relativamente ao capítulo 10.3.4.3 (Conclusões Relativas à Flora), é mencionado um taxon muito frequente na área de estudo (a gilbardeira ou Ruscus aculeatus) e outro que aparece pela primeira vez neste trabalho (o mirto ou Myrtus communis). Sem qualquer dúvida, a análise florística resulta ter um grau de simplicidade, incoerência, desenquadramento e fiabilidade tal que não resulta admirável obter um resultado tão triste e afastado da realidade como este.
A análise do capítulo 10.3.5, referente à Vegetação e Habitats tem início com uma descrição geral (ponto 10.3.5.1, página 184), dando passo a uma análise aparentemetne mais pormenorizada das comunidades vegetais (ponto 10.3.5.2, da mesma página). É precisamente no início onde o avaliador distorce escandalosamente a leitura da lei, provocando um engano com repercussões muito graves. Neste ponto o avaliador escreve “… Actualmente e por determinação legal aplica-se a classificação dos Habitats incluídos na Directiva nº 92/43/CEE (aplicada para o direito nacional através do Decreto-Lei nº 140/99, corrigido pelo Decreto-Lei nº 49/2005).” A leitura pormenorizada de ambos Decretos-Lei nunca obriga o uso da Directiva nº 92, pois o avaliador parece ignorar o espírito desta directiva comunitária (transposta mais tarde em lei nacional). Uma directiva, como o seu nome indica, é uma linha de orientação que passa a ter âmbito legal aquando da sua transcrição na legislação nacional. Contudo, esta normativa legal não deverá restringir a correcta realização das peritagens e estudos necessários para avaliar, neste caso, o alcance de um impacte ambiental sobre os ecossistemas em causa. Esta afirmação está claramente recolhida em ambos Decretos-Lei:
Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril de 1999
“…
Artigo 10
Avaliação de impacte ambiental e análise de incidências ambientais
6- A análise de incidências ambientais abrange:
a) A descrição da acção, plano ou projecto em apreciação, individualmente ou em conjunto com outras acções, planos ou projectos;
b) A caracterização da situação de referência;
c) A identificação e avaliação conclusiva dos previsíveis impactes ambientais, designadamente os susceptíveis de afectar a conservação de habitats e de espécies da flora e da fauna;
d) O exame de soluções alternativas;
e) Quando adequado, a proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem os efeitos negativos identificados.
7- A análise de incidências ambientais deve constar da fundamentação da decisão sobre as acções, planos ou projectos previstos no nº 1, sendo precedida, sempre que necessário, de consulta pública.
…”
Com o objectivo de esclarecer mais dúvidas acrescento a esta referência a do próprio Decreto-Lei nº 69/2000, sobre o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental. No Artigo 12º (Elaboração e conteúdo do EIA) da Secção II (Procedimento de AIA) não há registada qualquer cita ao Decreto-Lei nº 140/99. De facto, a alínea 3 não deixa espaço a qualquer dúvida:
“…
3- Sem prejuízo do disposto no nº 7 do artigo anterior, o EIA deve conter as informações adequadas, consoante o caso, às características do estudo prévio, anteprojecto ou projecto em causa, atendendo aos conhecimentos e métodos de avaliação existentes, devendo abordar necessariamente os aspectos consoantes do anexo III do presente diploma e que dele faz parte integrante.
…”
Artigo 10
Avaliação de impacte ambiental e análise de incidências ambientais
6- A análise de incidências ambientais abrange:
a) A descrição da acção, plano ou projecto em apreciação, individualmente ou em conjunto com outras acções, planos ou projectos;
b) A caracterização da situação de referência;
c) A identificação e avaliação conclusiva dos previsíveis impactes ambientais, designadamente os susceptíveis de afectar a conservação de habitats e de espécies da flora e da fauna;
d) O exame de soluções alternativas;
e) Quando adequado, a proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem os efeitos negativos identificados.
7- A análise de incidências ambientais deve constar da fundamentação da decisão sobre as acções, planos ou projectos previstos no nº 1, sendo precedida, sempre que necessário, de consulta pública.
…”
Com o objectivo de esclarecer mais dúvidas acrescento a esta referência a do próprio Decreto-Lei nº 69/2000, sobre o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental. No Artigo 12º (Elaboração e conteúdo do EIA) da Secção II (Procedimento de AIA) não há registada qualquer cita ao Decreto-Lei nº 140/99. De facto, a alínea 3 não deixa espaço a qualquer dúvida:
“…
3- Sem prejuízo do disposto no nº 7 do artigo anterior, o EIA deve conter as informações adequadas, consoante o caso, às características do estudo prévio, anteprojecto ou projecto em causa, atendendo aos conhecimentos e métodos de avaliação existentes, devendo abordar necessariamente os aspectos consoantes do anexo III do presente diploma e que dele faz parte integrante.
…”
Neste sentido, o mencionado Anexo III do próprio Decreto-Lei nº 69/2000, explica quais devem ser os conteúdos mínimos do EIA. A alínea 3 deste Anexo é conclusiva em relação aos conteúdos sobre flora e fauna:
“…
3- Descrição do local e dos factores ambientais susceptíveis de serem consideravelmente afectados pelo projecto, nomeadamente a população, a fauna, a flora, o solo, a água, a atmosfera, a paisagem, os factores climáticos e os bens materiais, incluindo o património arquitectónico e arqueológico, bem como a inter-relação entre os factores mencionados.
…”
Portanto, fica assim devidamente esclarecido o facto da aparente obrigatoriedade do uso exclusivo das espécies e habitats recolhidos na Directiva nº 92/43/CEE.
Contudo, o mais duvidoso, ambíguo, irreal e absolutamente desajustado está por vir, desde o meu ponto de vista, entre as páginas 193 e 200. De facto, a descrição dos habitats é apresentada com uma complexidade totalmente inusual até aqui. Se bem todo o estudo tinha como característica mais relevante a sua extrema simplicidade, atendendo ao muito reduzido de informação que proporcionava, já a relação de habitats faz com que cheguem a ser diferenciados um total de 21 habitats!!. Porém, esta aparente vontade de tentar descrever a complexidade do ecossistema objecto de estudo acaba, contrariamente ao desejado, por desembocar numa insustentável consistência florístico-estrutural.
Em primeiro lugar, o avaliador refere os habitats de bosques. Independentemente do explicado até aqui, referente à problemática do carácter de relíquia das formações com Quercus suber e o seu enquadramento sintaxonómico, do problema em relação ao Quercus x henriquesii ou do princípio da continuidade entre formações vegetais (através do fundamento caótico das combinações florístico-estruturais), o primeiro grave problema desta caracterização surge na página 194: como consegue o avaliador diferenciar entre Carvalhais caducifólios de Quercus robur (variante termófila) e Sobreirais?. A resposta que o avaliador proporciona é, no mínimo, um atentado científico: “…na realidade a ocorrência de sobreiros encontra-se relacionada com a acção dos incêndios que favorecem o desenvolvimento desta espécie em detrimento das restantes quercíneas, ou seja as manchas de sobreiros ocorrentes na área de estudo correspondem a povoamentos pioneiros pós-fogos frequentemente protegidos por interesses económicos dos proprietários.” Até à presente data não encontrei nenhuma referência bibliográfica que consiga afirmar tal aberração. No entanto, parece que o avaliador também não possui esta informação de referência, uma vez que não refere dado algum ou artigo científico que apoie esta teoria.
A seguir a este enigmático tipo de habitat surgem outros não menos duvidosos. Assim, por exemplo, o avaliador mostra umas capacidades extraordinárias para distinguir choupais, formações estas que não chegam a estar presentes como tais no rio Tâmega, pois aparecem associadas como companheiras nas formações de Salicéteas. Tal fenómeno acaba por confundir ao avaliador, especialmente nos raros e afastados afloramentos de Platanus hybrida, que aproveitam as clareiras das próprias Salicéteas ou até nas formações herbáceas de Isoeto-Nanojuncetea. Incluir também as formações de castinçais não deixa de ser dificilmente aceitável, pelo menos desde uma perspectiva científica, uma vez que as formações silvestres de Castanea spp. são caracteristicamente apenino-balcánicas. Outro erro centra-se na dificuldade que o avaliador mostra para diferenciar formações de matagal ou sub-bosque com pinheiros e/ou eucaliptos. Aconselharia, neste sentido, a aplicação generalizada que de modo comum é implementada neste tipo de estudos: manchas de pinhal, atendendo à presença contínua de pinheiro, e manchas de eucalipto ou de presença igualmente contínua de eucalipto.
Não consigo aceitar de forma nenhuma o desdobramento das comunidades arbustivas, que neste tipo de trabalhos são diferenciadas, na melhor das hipóteses, entre comunidades arbustivas altas e comunidades arbustivas baixas. O avaliador deve ter em consideração a extrema complexidade florístico-estrutural e dinâmica destas comunidades, o que faz com que fitossociologicamente estejam num conjunto muito diferenciado de classes e alianças. Desde Cytiseteas até Calluno-Uliceteas passando pelas etapas seriais do Arbutetum unedi.
Os habitats rupícolas constituem novamente um conjunto de formações intrincado e difícil, embora bem distinguíveis por fotografia aérea. Contudo, a descrição que proporciona dos mesmos resulta ser extremamente pobre e irreal. Já em relação aos habitats ripícolas a distinção que faz é científica e cartograficamente impossível, pois estas três aparentes formações constituem um continuo fito-estrutural que muito raramente é separável (como consegue distinguir um amial de um freixal sem abandonar a mesma formação de Alnetea?).
Os restantes tipos de habitats, com excepção das áreas agrícolas, urbanas, exploração de inertes, áreas urbanas e linhas torrenciais temporárias são uma pura ilusão de óptica: prados húmidos, quais os semeados (vulgarmente designados por lameiros) ou os semi-naturais?; arboretas ou formações mistas?, isso é uma formação extremamente frequente em áreas com pinhal e/ou eucaliptal.
Em definitiva, esta caracterização de habitats resulta pela sua complexidade e ambiguidade, excessivamente frágil. Ao mesmo tempo, e o que acaba por ser mais problemático, esta elevada fragilidade faz com que seja muito difícil de aplicar, muito discutível e, deste modo, reflicta mal a paisagem vegetal real desta zona. Em consequência, todo o conjunto das quantificações referentes aos impactes sobre a vegetação (capítulo V, sobre a Identificação e avaliação de impactes) transforma-se numa combinação dificilmente legível. Um exemplo deste efeito está no Quadro V.34, onde são quantificadas as áreas de biótopos afectadas na fase de enchimento e de exploração. Esta tabela começa com as áreas agrícolas e florestais (arboretum); passando a uma amalgama de floresta autóctone entre as quais surgem combinações com Platanus hybrida e com Acacia dealbata; novamente volta às áreas de produção florestal, com uma exploração deste tipo desconhecida nesta região, a de choupal (Populus nigra) com ou sem plataneiros (o Platanus hybrida é normalmente utilizado como paliçada na produção vinhateira); a seguir passa às galerias ripícolas, diferenciando aqui entre manchas com carácter prioritário e classificado (o que não deixa de ser incompreensível e desconhecido no próprio Decreto-Lei nº49/2005); finalmente acaba esta extensa e insustentável relação com matagais e matos, conceitos estes não discernidos ao longo do trabalho e recorrentes em relação a manchas já tipificadas (os matos serão bosques?). Isto é, um verdadeiro exemplo de uma extensa informação que, contrariamente, não proporciona informação alguma, mas sim confunde e baralha a leitura daqueles que pretendam aplicar esta tiipificação.
Resulta especialmente importante chamar a atenção para as conclusões do capítulo 9.1.4, relativo à Síntese de impactes sobre a flora e vegetação. Aqui será destacada a seguinte afirmação:
“…
3- Descrição do local e dos factores ambientais susceptíveis de serem consideravelmente afectados pelo projecto, nomeadamente a população, a fauna, a flora, o solo, a água, a atmosfera, a paisagem, os factores climáticos e os bens materiais, incluindo o património arquitectónico e arqueológico, bem como a inter-relação entre os factores mencionados.
…”
Portanto, fica assim devidamente esclarecido o facto da aparente obrigatoriedade do uso exclusivo das espécies e habitats recolhidos na Directiva nº 92/43/CEE.
Contudo, o mais duvidoso, ambíguo, irreal e absolutamente desajustado está por vir, desde o meu ponto de vista, entre as páginas 193 e 200. De facto, a descrição dos habitats é apresentada com uma complexidade totalmente inusual até aqui. Se bem todo o estudo tinha como característica mais relevante a sua extrema simplicidade, atendendo ao muito reduzido de informação que proporcionava, já a relação de habitats faz com que cheguem a ser diferenciados um total de 21 habitats!!. Porém, esta aparente vontade de tentar descrever a complexidade do ecossistema objecto de estudo acaba, contrariamente ao desejado, por desembocar numa insustentável consistência florístico-estrutural.
Em primeiro lugar, o avaliador refere os habitats de bosques. Independentemente do explicado até aqui, referente à problemática do carácter de relíquia das formações com Quercus suber e o seu enquadramento sintaxonómico, do problema em relação ao Quercus x henriquesii ou do princípio da continuidade entre formações vegetais (através do fundamento caótico das combinações florístico-estruturais), o primeiro grave problema desta caracterização surge na página 194: como consegue o avaliador diferenciar entre Carvalhais caducifólios de Quercus robur (variante termófila) e Sobreirais?. A resposta que o avaliador proporciona é, no mínimo, um atentado científico: “…na realidade a ocorrência de sobreiros encontra-se relacionada com a acção dos incêndios que favorecem o desenvolvimento desta espécie em detrimento das restantes quercíneas, ou seja as manchas de sobreiros ocorrentes na área de estudo correspondem a povoamentos pioneiros pós-fogos frequentemente protegidos por interesses económicos dos proprietários.” Até à presente data não encontrei nenhuma referência bibliográfica que consiga afirmar tal aberração. No entanto, parece que o avaliador também não possui esta informação de referência, uma vez que não refere dado algum ou artigo científico que apoie esta teoria.
A seguir a este enigmático tipo de habitat surgem outros não menos duvidosos. Assim, por exemplo, o avaliador mostra umas capacidades extraordinárias para distinguir choupais, formações estas que não chegam a estar presentes como tais no rio Tâmega, pois aparecem associadas como companheiras nas formações de Salicéteas. Tal fenómeno acaba por confundir ao avaliador, especialmente nos raros e afastados afloramentos de Platanus hybrida, que aproveitam as clareiras das próprias Salicéteas ou até nas formações herbáceas de Isoeto-Nanojuncetea. Incluir também as formações de castinçais não deixa de ser dificilmente aceitável, pelo menos desde uma perspectiva científica, uma vez que as formações silvestres de Castanea spp. são caracteristicamente apenino-balcánicas. Outro erro centra-se na dificuldade que o avaliador mostra para diferenciar formações de matagal ou sub-bosque com pinheiros e/ou eucaliptos. Aconselharia, neste sentido, a aplicação generalizada que de modo comum é implementada neste tipo de estudos: manchas de pinhal, atendendo à presença contínua de pinheiro, e manchas de eucalipto ou de presença igualmente contínua de eucalipto.
Não consigo aceitar de forma nenhuma o desdobramento das comunidades arbustivas, que neste tipo de trabalhos são diferenciadas, na melhor das hipóteses, entre comunidades arbustivas altas e comunidades arbustivas baixas. O avaliador deve ter em consideração a extrema complexidade florístico-estrutural e dinâmica destas comunidades, o que faz com que fitossociologicamente estejam num conjunto muito diferenciado de classes e alianças. Desde Cytiseteas até Calluno-Uliceteas passando pelas etapas seriais do Arbutetum unedi.
Os habitats rupícolas constituem novamente um conjunto de formações intrincado e difícil, embora bem distinguíveis por fotografia aérea. Contudo, a descrição que proporciona dos mesmos resulta ser extremamente pobre e irreal. Já em relação aos habitats ripícolas a distinção que faz é científica e cartograficamente impossível, pois estas três aparentes formações constituem um continuo fito-estrutural que muito raramente é separável (como consegue distinguir um amial de um freixal sem abandonar a mesma formação de Alnetea?).
Os restantes tipos de habitats, com excepção das áreas agrícolas, urbanas, exploração de inertes, áreas urbanas e linhas torrenciais temporárias são uma pura ilusão de óptica: prados húmidos, quais os semeados (vulgarmente designados por lameiros) ou os semi-naturais?; arboretas ou formações mistas?, isso é uma formação extremamente frequente em áreas com pinhal e/ou eucaliptal.
Em definitiva, esta caracterização de habitats resulta pela sua complexidade e ambiguidade, excessivamente frágil. Ao mesmo tempo, e o que acaba por ser mais problemático, esta elevada fragilidade faz com que seja muito difícil de aplicar, muito discutível e, deste modo, reflicta mal a paisagem vegetal real desta zona. Em consequência, todo o conjunto das quantificações referentes aos impactes sobre a vegetação (capítulo V, sobre a Identificação e avaliação de impactes) transforma-se numa combinação dificilmente legível. Um exemplo deste efeito está no Quadro V.34, onde são quantificadas as áreas de biótopos afectadas na fase de enchimento e de exploração. Esta tabela começa com as áreas agrícolas e florestais (arboretum); passando a uma amalgama de floresta autóctone entre as quais surgem combinações com Platanus hybrida e com Acacia dealbata; novamente volta às áreas de produção florestal, com uma exploração deste tipo desconhecida nesta região, a de choupal (Populus nigra) com ou sem plataneiros (o Platanus hybrida é normalmente utilizado como paliçada na produção vinhateira); a seguir passa às galerias ripícolas, diferenciando aqui entre manchas com carácter prioritário e classificado (o que não deixa de ser incompreensível e desconhecido no próprio Decreto-Lei nº49/2005); finalmente acaba esta extensa e insustentável relação com matagais e matos, conceitos estes não discernidos ao longo do trabalho e recorrentes em relação a manchas já tipificadas (os matos serão bosques?). Isto é, um verdadeiro exemplo de uma extensa informação que, contrariamente, não proporciona informação alguma, mas sim confunde e baralha a leitura daqueles que pretendam aplicar esta tiipificação.
Resulta especialmente importante chamar a atenção para as conclusões do capítulo 9.1.4, relativo à Síntese de impactes sobre a flora e vegetação. Aqui será destacada a seguinte afirmação:
“…
De um modo geral, os impactes na flora e vegetação na fase de construção classificam-se de negativos, de magnitude elevada, permanentes, irreversíveis e significativos. A maioria dos habitats afectados corresponde a estruturas vegetais alteradas pelo homem, ou de abundância elevada no território português.
…”
De um modo geral, os impactes na flora e vegetação na fase de construção classificam-se de negativos, de magnitude elevada, permanentes, irreversíveis e significativos. A maioria dos habitats afectados corresponde a estruturas vegetais alteradas pelo homem, ou de abundância elevada no território português.
…”
Novamente o avaliador pretende dirigir o seu estudo de modo a suavizar aquilo que, a partida, considera ser uma alteração muito significativa no ecossistema. Esta atitude já a revelou na descrição da paisagem vegetal afectada pelo projecto. Neste caso chamámos a atenção para o facto desta paisagem apresentar as mesmas características do Parque Nacional da Peneda-Gerês ou do Parque Natural do Alvão, com base na descrição geral proporcionada pelo avaliador. Agora o avaliador introduz um comentário muito mais vago e incoerente: “… A maioria dos habitats afectados corresponde a estruturas vegetais alteradas pelo homem, ou de abundância elevada no território português.” Lembro à equipa de avaliadores responsável por este estudo, que a grande maioria dos ecossistemas existentes em Portugal são caracteristicamente agroecossistemas e, por tal motivo, alterados pelo homem…
A conclusão resultante do capítulo 9.1.4 está em clara contradição com a exposta no capítulo IX, referente às Conclusões deste estudo. Neste capítulo, e sem qualquer razão aparente, os impactes passam a ser favoráveis na sua generalidade:
A conclusão resultante do capítulo 9.1.4 está em clara contradição com a exposta no capítulo IX, referente às Conclusões deste estudo. Neste capítulo, e sem qualquer razão aparente, os impactes passam a ser favoráveis na sua generalidade:
“…
Globalmente e tendo em conta as vantagens e desvantagens e os impactes positivos e negativos identificados, a construção o empreendimento é claramente favorável ambientalmente, não se identificando qualquer aspecto crítico relevante que não possa ser minimizável para níveis aceitáveis e controláveis.
…”
Globalmente e tendo em conta as vantagens e desvantagens e os impactes positivos e negativos identificados, a construção o empreendimento é claramente favorável ambientalmente, não se identificando qualquer aspecto crítico relevante que não possa ser minimizável para níveis aceitáveis e controláveis.
…”
Tal afirmação é, portanto, diametralmente contrária à esgrimida no capítulo 9.1.4, invalidando assim todo o estudo aqui apresentado relativo à flora, vegetação e paisagem. Os avaliadores mostram uma falta clara de critérios, uma vez que conseguem contrariar as conclusões sem justificação aparente.
Conclusões
O presente estudo de impacte ambiental deve ser, desde o meu ponto de vista, novamente realizado. As razões desta afirmação podem ser sustentadas sobre as seguintes razões:
Conclusões
O presente estudo de impacte ambiental deve ser, desde o meu ponto de vista, novamente realizado. As razões desta afirmação podem ser sustentadas sobre as seguintes razões:
- Este estudo não analisa de modo profundo e pormenorizado a riqueza florística do ecossistema afectado pelo empreendimento.
- Não existe qualquer análise sobre flora ameaçada, rara ou endémica.
- A flora protegida não é devidamente enquadrada na vegetação ou na análise florística, não existindo qualquer monitorização para a mesma.
- O estudo da vegetação está sustentado sobre uma inventariação inconsistente, uma vez que utilizando o método fitossociológico não consegue diferenciar sintaxonomicamente o coberto vegetal.
- A cartografia de habitats é extremamente ambígua, pouco clara e dificilmente aplicável por qualquer outro perito, facto este que inviabiliza a mesma.
- As conclusões são contraditórias e não têm em consideração os resultados obtidos nem a discussão dos mesmos.
Este conjunto extenso e generalizado de erros acaba por fazer com que as medidas minimizadoras propostas tenham uma duvidosa aplicabilidade. Ao mesmo tempo, o processo de monitorização igualmente apresentado será igualmente inapropriado, pois este estudo não revelou um verdadeiro conhecimento do nível trófico florístico vascular para o ecossistema analisado.
Tendo em consideração a importância da obra pretendida, as implicações que a mesma terá sobre a matriz ambiental e biológica do ecossistema, bem como sobre o desenvolvimento económico e sócio-cultural desta região, aconselho vivamente uma nova análise sobre a flora, vegetação e a paisagem do ecossistema no qual está projectada a barragem do Fridão.
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