quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Bloco de Esquerda no Parlamento: Rever o Plano Nacional de Barragens







Bloco de Esquerda no ParlamentoRever o Plano Nacional de Barragens



O Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) prevê a construção de dez novas grandes barragens nos próximos anos.

A energia hídrica faz parte das fontes renováveis que devem ser activamente consideradas no âmbito de uma política energética favorável a reduzir o uso de combustíveis fósseis, a dependência energética do exterior e as emissões de gases de efeito de estufa (GEE). Por isso, consideramos importante a existência de estudos sobre esta matéria, os quais devem conter fundamentos de apoio à decisão de construir ou não novas barragens.

Sabemos que os empreendimentos hidroeléctricos, em especial os de grande potência, têm impactes sobre a qualidade das águas, a biodiversidade e o transporte de sedimentos que alimentam as praias do litoral, assim como sobre a vida das populações onde incidem. Por isso, estes estudos devem avaliar correctamente os custos ambientais e socioeconómicos da construção de novas barragens, como ponderar as alternativas energéticas que melhor concretizam os objectivos da política de energia e combate às alterações climáticas, nomeadamente em termos de custo-eficiência.

Ora, o que se verifica com o PNBEPH é o falhanço absoluto nestes critérios fundamentais para a tomada de decisões responsáveis.

O estudo encomendado pela Comissão Europeia para avaliar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que deu origem ao PNBEPH confirma esta nota negativa. As suas conclusões são claras, referido que o Plano apresenta "lacunas graves" e não faz a "comparação adequada" entre os benefícios da construção das barragens e os seus custos ambientais, sobrevalorizando os primeiros.

Uma das consequências mais graves apontadas neste estudo é o risco de Portugal não conseguir cumprir os requisitos para a qualidade dos recursos hídricos, conforme o compromisso assumido no âmbito da Directiva Quadro da Água (DQA) até 2015.

São também referidos vários impactes negativos sobre ecossistemas sensíveis, inclusive com a afectação de espécies ameaçadas e habitats prioritários pertencentes à Rede Natura 2000. A avaliação dos impactes do PNBEPH sobre o meio aquático é considerada de "muito pobre".

Aponta-se como debilidades sérias a ausência do estudo dos impactes cumulativos ao nível de cada bacia hidrográfica ou o efeito das alterações climáticas sobre a disponibilidade hídrica, o que afectará a qualidade das águas e a capacidade de produção eléctrica dos empreendimentos.

Considerando que seis das novas barragens se vão situar na bacia hidrográfica do Douro, cinco das quais na sub-bacia do Tâmega, onde a presença de barragens é já significativa e a poluição das massas de água muito grave, torna-se fundamental estudar estes efeitos cumulativos.

O fenómeno das alterações climáticas também não é de desvalorizar, como indica o relatório, já que as previsões estimam uma redução da disponibilidade dos recursos hídricos de tal ordem que implicariam uma redução da produção eléctrica até 55% para garantir a manutenção de caudais mínimos e a boa qualidade das águas. Esta é uma das razões pelas quais o relatório considera que o contributo energético do PNBEPH está claramente sobreavaliado, o que poderá colocar mesmo em causa a viabilidade económica de algumas das novas barragens previstas.

Relativamente ao contributo do PNBEPH para se atingirem as metas energéticas e de redução das emissões de GEE, note-se que a sua concretização irá representar apenas 3% do consumo de energia e 1% da redução das emissões. Quando Portugal desperdiça cerca de 60% da energia que consome, parte importante da qual poderia ser facilmente poupada com taxas de retorno muito elevadas no curto prazo, como continua a apresentar taxas de crescimento do consumo energético muito elevadas, torna-se claro que esse contributo será ainda mais residual (no período de 2000 a 2005, a taxa de crescimento anual para o consumo de energia primária situou-se nos 6,8% e para o consumo final de energia nos 12%).

O Bloco de Esquerda considera que o PNBEPH deve ser reavaliado, dado existirem erros graves na sua concepção, como bem aponta o relatório europeu.

O erro das barragens de Foz Tua e Fridão

Igualmente, é fundamentar excluir as barragens de Foz Tua e de Fridão do PNBEPH, uma vez que apresentam consequências muito negativas para as populações afectadas e sobre os ecossistemas em que incidem, já parcialmente apontadas na própria AAE. Considerando o avanço dos projectos em causa, a primeira com Declaração de Impacte Ambiental aprovada e a segunda em processo de consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental, é urgente proceder a esta decisão.

A barragem do Foz Tua irá afectar uma zona que tem condições paisagísticas singulares, incluída na lista de Património da Humanidade da Unesco. A sua construção vai inviabilizar a linha de caminho de ferro do Tua, já considerada uma das mais belas da Europa e que todos os anos atrai inúmeros turistas e visitantes a esta região do interior. A submersão de parte relevante da linha do Tua pela barragem significará a perda de uma obra de engenharia relevante com cerca de 120 anos, um importante património cultural que deveria ser preservado, de um elemento potenciador do desenvolvimento económico e do emprego, mas também de um importante meio de transporte das populações, uma vez que é um dos principais eixos de ligação da região transmontana e desta ao litoral. A barragem vai também inundar áreas agrícolas importantes, nomeadamente de vinhas inseridas na Região Demarcada do Douro e de olivais, como afectar vários habitats protegidos.

O aproveitamento hidroeléctrico de Fridão irá situar-se a 6 km a montante da cidade de Amarante, cujo núcleo urbano está implantado desde a cota 62,5 e situa-se no limiar da albufeira da barragem do Torrão (cota 62), a jusante da cidade. Ou seja, a cidade de Amarante ficará entre duas albufeiras, a jusante (Torrão) e a montante (Fridão), situando-se a uma cota bastante inferior à albufeira da Barragem de Fridão (160) e a uma pequena distância (6 km), o que coloca questões sobre a segurança de pessoas e bens. Refira-se que o PNBEPH indica que o "aproveitamento de Fridão induzirá um risco de rotura médio".

As condições ambientais, paisagísticas e patrimoniais que constituem a imagem de referência da cidade iriam perder o seu equilíbrio e harmonia naturais, uma vez que vão estar sujeitas às necessidades de aprovisionamento e gestão regular das albufeiras e à intensa artificialização em «cascata» do rio Tâmega. Além disso, a albufeira de Fridão irá contribuir para o agravamento da degradação já evidente da qualidade da água do rio Tâmega, tal como aconteceu na albufeira do Torrão, devido à intensificação dos inevitáveis fenómenos de eutrofização, conduzindo a uma degradação acentuada da qualidade de vida dos amarantinos.

A privatização dos recursos hídricos

Nesta discussão é também preciso não esquecer que o Plano Nacional de Barragens encobre a privatização dos recursos hídricos. As infra-estruturas, albufeiras e margens estarão entregues aos privados por períodos de 65 a 75 anos. Ou seja, importantes reservatórios de água que poderão ser utilizados para combate a situações de secas severas, abastecimento humano ou rega, estarão sujeitas às regras dos privados, nomeadamente em termos das tarifas praticadas. A mesma lógica se aplica ao desenvolvimento de actividades turísticas e de lazer.

O Governo já procedeu à adjudicação provisória de 8 barragens do PNBEPH, contabilizando 624 milhões de euros em receitas extraordinárias que contribuíram para conter o défice orçamental de 2008 nos limites impostos pela pelo Pacto de Estabilidade de Crescimento (PEC), mesmo com o truque de parte significativa deste valor ter sido concretizado apenas no ano de 2009.

Esta é uma das razões que justifica a teimosia e a pressa do Governo Sócrates em avançar com estas barragens, mesmo que pouco fundamentadas pelos estudos. O seu peso nas receitas extraordinárias, em conjunto com o encaixe de 759 milhões de euros pelo alargamento do prazo das barragens já concessionadas, foi o que permitiu enganar as contas públicas. Esta não pode ser a justificação para o avanço destes grandes empreendimentos, cuja decisão deve fundamentar-se em critérios objectivos e pelo estudo aprofundamento dos custos ambientais e alternativas energéticas.


Rita Calvário, in esquerda.net - 27 de Janeiro de 2010

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