quarta-feira, 23 de junho de 2010
Pavan Sukhdev - O senhor biodiversidade: A invisibilidade económica da natureza é um problema
Pavan Sukhdev - O senhor biodiversidade
A invisibilidade económica da natureza é um problema
A economia está a invadir o raciocínio conservacionista da natureza e a desafiar o que tem sido a prática dominante: vivemos orientados para o lucro privado, não para o bem público. O segredo está em fazer com que a perspectiva tenha sentido económico para as pessoas, até que as políticas sejam suficientemente pressionadas e mudem.
Pavan Sukhdev é o economista indiano que interrompeu a sua carreira de banqueiro no Deutsche Bank para liderar o projecto que liga os europeus, o G8 e as Nações Unidas: convencer as sociedades de que tanto a destruição como o usufruto da biodiversidade e dos ecossistemas têm um valor. A realidade vai dando razão ao trabalho da equipa de Sukhdev, que terminará antes da cimeira da biodiversidade, a realizar em Outubro, em Nagoya, no Japão.
Se tivesse Tony Hayward à sua frente, o que diria ao presidente da segunda maior companhia petrolífera do mundo sobre o que ter em conta em relação ao problema ambiental que causou no golfo do México?
Há várias maneiras de olhar para o problema. A primeira é que a BP e a indústria devem investigar se o que aconteceu foi não ter havido um equipamento que travasse automaticamente a fuga. Se foi esse o caso, foi por causa da regulação local, de uma decisão da companhia ou de ambas? É preciso investigar o que aconteceu em termos de segurança.
A outra é que toda a indústria petrolífera tem de entender que é preciso avaliar as externalidades [efeitos tradicionalmente considerados colaterais e que não são considerados no preço de mercado dos bens, neste caso, o petróleo].
De que forma é que o estudo que tem liderado pode contribuir para que as empresas ganhem mais consciência disso?
O estudo está praticamente pronto, temo que seja um bocado tarde para isso. Este acontecimento vai fazer com que a opinião pública exija a divulgação das externalidades, e isso estender-se-á, a prazo, a outros sectores. As indústrias têm externalidades, que não são apenas emissões de dióxido de carbono (CO2), mas também de utilização de água e outras. Por exemplo, uma empresa mineira tem custos externos de desflorestação e uso do solo. São externalidades que deveriam ser calculadas e divulgadas nos relatórios anuais das companhias. Não chega pôr os dados nas declarações de responsabilidade social ou nos relatórios de sustentabilidade, porque os analistas e os investidores nem sempre lêem esses relatórios.
No relatório intercalar, menciona as lições tiradas com o desastre do Exxon Valdez, em 1989, nomeadamente princípios mais severos do poluidor-pagador. E agora?
O Exxon Valdez, no Alasca, foi um acontecimento mais limitado [derrame de um petroleiro]. Aqui é diferente. É importante que as companhias ganhem capacidade de avaliar a dimensão económica deste impacto. Vimos as notícias sobre as negociações entre a administração dos EUA e a BP para financiar um fundo. Isso é, no entanto, uma questão pós-desastre. O que é necessário fazer é perceber o verdadeiro custo deste tipo de fugas, ou seja, o custo das suas externalidades. No golfo do México, é necessário estudar os custos sobre a pesca, o turismo e até sobre os indivíduos que se vêem privados de, simplesmente, usufruir de um passeio pelo mar. As externalidades têm de ser estimadas, para que a sociedade tenha uma melhor noção do que é o custo real destes acontecimentos.
Claro que já há um imenso custo para a humanidade, para as pessoas que morreram na plataforma, para as famílias. Mas além destes, há ainda os custos externos a estimar.
Os 20 mil milhões de dólares do fundo que a BP vai financiar gradualmente não lhe parece que cobrem esses custos?
É uma solução para a dor e para as perdas, mas não é uma solução sistémica. Esta ocorrerá quando as companhias reconhecerem e publicarem as suas externalidades e os riscos que se podem tornar externalidades.
Há para si uma ligação entre o grau de exigência de avaliação económica e de regulação?
Claro. A economia é a moeda da política. Não importa quão bem fundamentado possa ser o meu argumento do ponto de vista humano e de responsabilidade. A menos que consiga que tenha sentido económico, é provável que não seja ouvido. É preciso que os decisores políticos percebam que o "caso ambiental" não é apenas respeitar os recursos piscícolas ou defender os passeios de barco no golfo do México. O "caso ambiental" é entender que há um custo económico, do mesmo modo que há um custo humano e um custo ambiental.
É o mais difícil?
É, mas é muito necessário fazer isso, caso contrário não há pressão para a mudança de políticas.
Em 2006, o economista Nicholas Stern fez um estudo sobre o impacto económico das alterações climáticas. Tanto esse como o seu têm números que impressionam, mas o de Stern ficou mais no ouvido. Tinha números mais "sexy" ou é a biodiversidade que é difícil de entender?
Sir Stern quis avaliar os impactos de acontecimentos, probabilidades e riscos futuros sobre a economia, com base em complexos modelos climáticos. Na biodiversidade, a complexidade é de outra natureza. Aqui não falamos de efeitos futuros, mas do presente, sempre a três níveis simultâneos.
Um é a nível local. Tem a ver com a vida das comunidades locais, por exemplo, se têm ou não acesso a produtos florestais não lenhosos ou às pastagens. O efeito a nível regional já é à escala do país, com os problemas de acesso a água por parte de uma população que lhe permita manter os campos férteis, dos quais dependem não só os agricultores, mas toda uma sociedade. Depois há o efeito global. Por outras palavras, é o impacto de não se ter mais floresta ou recifes de coral.
Qual a principal conquista que conseguiu com o trabalho feito até agora?
Os políticos, as empresas, a sociedade, a imprensa estão a perceber que a invisibilidade económica da natureza é um problema. Para mim, este é o dado mais importante, não que seja novo. É um assunto que se discute há, pelo menos, 40 anos [entre os especialistas], mas as pessoas começam a perceber isso. Estas são boas notícias.
Acredita que os casos que mostram que os benefícios são maiores que os custos estão a convencer os decisores políticos para adoptarem políticas sustentáveis?
Ainda não. Porque os decisores ainda não agem tendo em conta os benefícios públicos. Como, por exemplo, os benefícios de ter água e ar limpos, de não ter inundações em França e na Alemanha e secas na Índia. Esses casos são vistos como catástrofes naturais, as pessoas não os ligam com a ecologia que deve ser protegida, apesar de existirem todas as razões para o fazer. Há locais, desde Nova Iorque a São Francisco e Bombaim, onde as florestas são usadas como reservatórios de água para abastecer as cidades. Por isso, deviam estar a pensar em investir em infra-estruturas ecológicas. No fim de contas, isto é um bem público.
Todos pagamos impostos, é dinheiro público que deveria ser usado para o bem de todos. Este pensamento ainda não existe em muitos governos. Alguns estão à frente, mas ainda assim a atenção está voltada para criar riqueza privada, na mão das empresas.
Temos de repensar a nossa política de impostos e começar a taxar as externalidades, como as emissões poluentes, e não apenas os lucros e receitas. O esgotamento de recursos deveria ser taxado, por exemplo.
Ao atribuirmos um valor económico à biodiversidade, não corremos o risco de conservar apenas o que nos pode dar lucro? Qual a ética nesta equação?
Sim, há um risco de isso acontecer. É uma questão ética enorme, profundamente enraizada e discutida na filosofia do estudo cuja sigla inglesa é TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity). Ao mostrar que os ecossistemas têm valor, estaremos nós a criar o risco de, de alguma forma, reduzirmos a natureza e o seu objectivo apenas à sua utilidade, ao que é antropocêntrico? Existe esse risco. Mas ao mesmo tempo temos de reconhecer que a valorização é uma instituição social, não se trata de um grupo de economistas.
A sociedade valoriza aquilo que tem valor para ela. E, por vezes, essa valorização pode nem ter referência à economia ou a números. Se valorizarmos um monumento ou uma floresta sagrada para uma comunidade, não há nada que diga que precisamos de os proteger por algum motivo. E, assim, a protecção acontece por si mesma, sem precisar de razões. Mas em outras situações precisamos de demonstrar que tem impacto económico, e aí a política muda.
Recentemente, a Índia introduziu um sistema que paga aos pobres para replantar florestas. Eles compreendem que aqui há um valor e que vale a pena pagar-lhes para reconstruir esses ecossistemas. As pessoas são pagas por fazer aquilo que é correcto. E, finalmente, há situações em que temos de chegar a um valor, pagando pelos serviços dos ecossistemas. Há muitos exemplos de pagamentos locais pelos serviços dos ecossistemas, como a água limpa ou o ecoturismo. Na parte do relatório para o governo local, que publicaremos em Setembro, temos 78 exemplos espalhados por todo o mundo. Paga-se para que alguém aja ou mude comportamentos com o objectivo de conservar ou gerar valor económico através dos serviços dos ecossistemas.
Um exemplo que funciona é o comércio de emissões. Estamos a recompensar empresas pelo trabalho de reduzir as suas emissões. O risco é saltarmos logo para uma visão meramente economicista. Há razões éticas, religiosas e sociais para valorizar a natureza e há também razões económicas. Muitos concluem que só estamos a falar de mercados. Isso não é verdade. O trabalho do TEEB é tudo menos uma solução custo-benefício para o planeta. Quando dizem que pomos um preço na natureza, isso está errado.
Quais espera que sejam os efeitos reais deste estudo?
Penso que o conceito dos pagamentos pelos serviços dos ecossistemas será mais bem aceite em todo o mundo. Quando as pessoas virem casos de sucesso em pequenas comunidades, começarão a adoptar este pensamento. Já recebi pedidos de ajuda de muitos países e teremos muito gosto em responder.
De países em desenvolvimento?
Sim, de África, da América Latina, da Ásia. Um bom resultado é o TEEB ser bem aceite. Outro, será dar muita atenção ao sector das pescas. E que as comunidades locais e a indústria pesqueira percebam que isto é no seu interesse, se quiserem sobreviver a longo prazo.
Piratas da Somália "amigos" dos peixes
Como se protegem espécies, como o rato-de-cabrera, que não são carismáticas e que dificultam a construção de auto-estradas?
É um desafio. Como vamos proteger espécies que as pessoas não querem? Encontrar razões económicas para preservar espécies é uma tarefa muito difícil. É mais fácil encontrar essas razões para ecossistemas, porque dão mais à sociedade. O argumento da utilidade funciona melhor.
Às vezes podemos consegui-lo, mas com espécies carismáticas. Não um rato. Por isso, temos de pensar de maneira diferente: a que ecossistema pertence, o que está a região a fazer para proteger o ecossistema, se há habitats alternativos para o rato, perceber o seu papel no ecossistema e o que vai acontecer se desaparecer.
Contrariamente ao rato-de-cabrera, há espécies a que damos grande valor económico, provocando sérios problemas, nomeadamente nas pescas.
As pescas são suportadas por dois conceitos: um é o acesso livre em mar alto. Qualquer um pode ir a qualquer lado e pescar sem controlo. O segundo é a política de subsídios: 27 mil milhões de dólares pagos anualmente. Isto é muito se pensarmos que o total de peixe capturado vale 85 ou 90 mil milhões de dólares, estamos a falar de quase um terço. No entanto, o valor do sector podia chegar aos 135 mil milhões de dólares, se as pescas fossem exploradas de forma sustentável. Assim, além de estarmos a perder 50 mil milhões de dólares, estamos a subsidiar 27 mil milhões de dólares. A soma dá 77 mil milhões de dólares. É uma estupidez tão grande que é incrível que o estejamos a fazer.
Qual a solução?
Devido à sobreexploração, 30 por cento de todos os stocks colapsaram, ou seja, têm menos de dez por cento do stock inicial do que quando começaram a ser pescados. É possível que em 2020-2050 só tenhamos stocks em colapso.
É importante perceber que temos capacidade excedentária e a "boa economia" concentra-se em investir em recursos escassos. O que fazemos é subsidiar a construção de frotas com mais capacidade. Mas isso não é o recurso escasso; o recurso escasso é o peixe. Devíamos encontrar meios económicos para investir no peixe, por exemplo, criar áreas protegidas marinhas. Já há casos de sucesso.
Quais?
Uma história engraçada é o caso da Somália. Devido à pirataria, os stocks de peixe recuperaram porque os barcos de pesca não podem lá ir, segundo os relatórios que me chegam. E, por isso, as comunidades locais estão a enriquecer. O problema da pirataria até pode estar resolvido.
Isto pode ser feito, mas sempre apoiando as comunidades locais que forem privadas da pesca durante os três ou quatro anos necessários para recuperar os stocks. Em vez de gastar subsídios para aumentar a capacidade pesqueira, devíamos gastá-los no apoio às comunidades e em sistemas de gestão locais. Concentramo-nos, por vezes, em espécies únicas, como a baleia-azul, mas o problema maior é sistémico. E se o solucionarmos, é mais fácil solucionar o problema de cada espécie.
Helena Geraldes / Lurdes Ferreira, in Público - 23 de Junho de 2010
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