terça-feira, 13 de julho de 2010

Câmara Municipal de Amarante - Barragem de Fridão: Colossal «Parecer Jurídico» para os anais da política autárquica






Câmara Municipal de Amarante - Barragem de Fridão
Colossal «Parecer Jurídico» para os anais da política autárquica



PARECER 
PROCESSO - Aproveitamento Hidroeléctrico de Fridão

No cumprimento da solicitação de parecer jurídico por parte do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal, Dr. Armindo Abreu, em meados de Maio [2010], sobre a possibilidade de impugnação judicial da Declaração de Impacte Ambiental, ou do projecto de aproveitamento hidroeléctrico de Fridão, cumpre-me emitir o seguinte parecer:

Análise de facto

A barragem de Fridão está integrada no programa Nacional de Barragens com elevado potencial hidroeléctrico (PNBEPH) que tem como objectivo atingir, a meta de 7000 MW de potência hidroeléctrica instalada em 2020, traduzindo-se num aumento de potência de cerca de 2000MW. 


Para que esse objectivo seja alcançado, o Governo Português considerou necessária a realização de um conjunto de investimentos em aproveitamentos hidroeléctricos e que constituem este PNBEPH.
“Na sequência da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) do PNBEPH, foram seleccionados, de entre 25 locais potenciais, 10 aproveitamentos hidroeléctricos, definidos como de realização prioritária. Entre estes 10 aproveitamentos encontra-se o de Fridão” (cfr. parecer da comissão de avaliação, pág. 7/134). 


Com base no concurso público internacional lançado para a concepção, exploração e conservação do Aproveitamento Hidroeléctrico de Fridão, o Estado Português atribuiu à EDP – Gestão e Produção de Energia, S.A. o direito a colaborar na implementação do PNBEPH.

Após adjudicação, foi celebrado o contrato entre o Estado e a EDP, nos termos do art. 3º, n.º 2 do DL 182/2008, de 4 de Setembro, pelo qual foram atribuídos a esta entidade privada os direitos exclusivos de exploração, no âmbito da implementação do PNBEPH e do respectivo procedimento, dos aproveitamentos hidroeléctricos com base nos recursos hídricos que lhe caibam, em conformidade com a concepção do projecto de construção (cfr. art. 4º do DL 182/2008). 


A EDP, em 17/09/2009, para dar inicio ao procedimento de avaliação de impacto ambiental, dando cumprimento ao disposto no DL 69/200, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 197/2005, de 8 de Novembro, apresentou à Agência portuguesa do Ambiente (APA), o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativo ao Anteprojecto do Aproveitamento Hidroeléctrico de Fridão. 


De forma a assegura a continuidade do procedimento de AIA, a APA, na qualidade de Autoridade de AIA, nomeou a respectiva Comissão de Avaliação (CA), através do ofício n.º 9736, de 28/09/2009, de acordo com o art. 9º da referida legislação e com o art. 1º do regulamento das Comissões de Avaliação de Impacte Ambiental. 


O parecer da CA visou “…integrar e sistematizar as análises técnicas sectoriais das diferentes entidades representadas na CA, assim como as posições manifestadas por entidades externas e no âmbito da fase de consulta pública, de forma a apoiar a tomada de decisão relativamente à viabilidade ambiental do projecto analisado no EIA” (cfr. parecer da CA, fl. 4/134). 


O procedimento de AIA incluiu as seguintes etapas:

  1. Análise global do EIA, de forma a deliberar acerca da sua conformidade. A conformidade do EIA foi declarada a 02/12/2009;

  2. Solicitação de elementos complementares;

  3. Solicitação de pareceres a entidades públicas com competências para a apreciação do projecto;

  4. Realização de uma visita técnica ao local de implantação do projecto;

  5. Análise dos resultados da consulta pública, que decorreu entre 18 de Dezembro de 2009 e 15 de Fevereiro de 2010;
Uma das entidades externas ouvidas neste procedimento foi a Câmara Municipal de Amarante, ao abrigo da alínea c) do n.º 5 do art. 9º do DL n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo DL n.º 197/2005, de 8 de Novembro. 

A 8 de Fevereiro de 2010, a Ex.ma Câmara Municipal de Amarante deliberou “…por unanimidade, concordar com o parecer conjunto dos Departamentos de Ambiente, Obras e Urbanismo, datado de 03/02/2010, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e reforçar as reservas constantes do mesmo. Mais delibera a Câmara alertar para o cumprimento do quadro legal, designadamente quanto à Directiva – Quadro da Água e às normas de segurança das barragens. Comunique-se à Agência Portuguesa do Ambiente”


6. Análise técnica do EIA, dos seus Aditamentos e dos elementos complementares remetidos, nas valências das entidades representadas na CA, e elaboração dos pareceres técnicos parcelares; 


7. Elaboração do parecer técnico, integrando o teor dos pareceres técnicos das entidades representadas na CA, das entidades externas e os resultados da consulta pública; 


8. Elaboração de proposta de DIA e envio à tutela. 


A 30 de Abril de 2010, é emitida, pelo Ex.mo Sr. Secretário de Estado do Ambiente, a Declaração de Impacte Ambiental, favorável condicionada à NPA 160. 


A DIA contempla as seguintes condicionantes ao projecto:

  1. Cumprimento integral das medidas de minimização de potenciação e de compensação dos impactes, constantes da DIA, bem como as medidas que vierem a ser definidas e aprovadas posteriormente, decorrentes dos estudos complementares a desenvolver, sem prejuízo de outras que se venham a revelar necessárias;

  2. Transladação conjunta da Capela do Senhor da Ponte e da Ponte medieval de Vilar de Viando, para um local de características semelhantes às do local em que actualmente se encontram, tomando em consideração o elemento n.º 1 a entregar previamente ao Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE), constante da DIA;
  3. A compensação pela perda de valores naturais e sua preservação deve ser assegurada através de um programa de compensação ambiental, conforme preconizado no elemento n.º 11 a entregar em fase de RECAPE, constante da presente DIA;

  4. A presente DIA não prejudica a necessária obtenção de quaisquer outros pareceres, autorizações e/ou licenças previstos no quadro legislativo em vigor, como sejam as entidades com competências especificas nas áreas sujeitas a condicionantes e servidões.
A DIA prevê ainda que no RECAPE sejam apresentados os elementos/estudos complementares (que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais), que servirão de suporte à proposta de medidas de minimização e de compensação para os impactes identificados. 

O programa de medidas a apresentar em RECAPE deverá reflectir a adequada articulação/compatibilização das diferentes componentes ambientais em análise. 

Analisada a DIA, verifica-se ainda que o parecer da Câmara Municipal de Amarante foi tomado em consideração, estando previstos entregar com o RECAPE, nomeadamente: estudo complementar sobre a afectação provocada pelo AHF no transporte sedimentar no rio Tâmega; levantamento exaustivo dos acessos, estradas e caminhos a afectar, bem como proposta de restabelecimento, com base na análise dos respectivos impactes ambientais; estudo vocacionado para os eventuais impactes na área vitivinícola do vale afectado e nos termos previstos no EIA; inventariação de núcleos rurais habitados (designadamente o Lugar da Granja); apresentação de estudo integrado de soluções, tomando em consideração a análise dos respectivos impactes ambientais, que visem a minimização e/ou compensação de todas as actividades e usos lúdicos e recreativos da água e das zonas ribeirinhas, a afectar directa e indirectamente pelas albufeiras; deverá ser dada especial atenção à minimização/compensação dos impactes da albufeira de jusante na localidade de Fridão, que sofre uma ruptura com a linha de água vizinha; estudo que contemple um plano de acção e um programa de mobilidade sustentável no município de Amarante, etc.


Análise e enquadramento jurídico
O processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade de uma lide principal, isto é, de um processo que normalmente é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena. 

Os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer justiça. 


O próprio conceito de providência cautelar, ao visar a garantia da utilidade da sentença, pressupõe a existência de um perigo de inutilidade, total ou parcial, resultante do decurso do tempo e, especialmente no direito administrativo, da adopção ou abstenção (ou da execução ou da não execução) de uma pronúncia administrativa. 


O artigo 120º do CPTA estabelece este requisito ao exigir, para a adopção da providência cautelar, que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”


O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração especifica da sua esfera jurídica. 


Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificada” a cautela que é solicitada. 


Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou que regule interinamente a situação. 


Outro dos requisitos de admissão da providência cautelar é o fumus boni iuris (ou aparência do direito). 


O juiz tem o dever e o poder de, ainda que em termos sumários, avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade de que ele diz existir, ainda que esteja em causa um “verdadeiro” acto administrativo. 

Nesta hipótese, a providência é decretada, mesmo sem a prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do dano e independentemente dos prejuízos que a concessão possa virtualmente causar ao interesse público ou aos contra-interessados.


De acordo com a doutrina do professor José Carlos Vieira de Andrade “Justificam-se, pois, algumas cautelas na aplicação deste critério, sendo legítima a pergunta sobre se a evidência relevante para este efeito não deverá ser entendida como referida apenas a situações excepcionais – assim, por exemplo, no âmbito de acções de impugnação de actos, se não deverá ser só aquela que respeite a vícios graves que gerem a nulidade desse acto, tendo em conta designadamente que os vícios geradores de mera anulabilidade, designadamente os vícios formais e procedimentais, podem acabar por ser irrelevantes ou permitir o aproveitamento do acto. Embora se perceba a concessão imediata da providência, mesmo em caso de actos “renováveis”, dado que a Administração sempre poderá proceder à prática de novo acto, talvez se deva limitar o alcance da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º, no contexto das acções administrativas especiais, às situações de nulidade, como as que constam da exemplificação legal, exigindo, nas restantes, a verificação da perigosidade e a ponderação de interesses, sobretudo quando existam contra-interessados e não esteja em causa a lesão de posições jurídicas subjectivas do impugnante.”

Ora, analisando o procedimento não se vislumbra qualquer vício formal que possa ser invocado para “atacar” o procedimento. Os prazos foram cumpridos e o procedimento legal previsto no DL 69/200, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 197/2005, de 8 de Novembro também foi cumprido. 

Tanto mais que, a 14 de Fevereiro de 2010, dois grupos auto-denominados Por Amarante, Sem Barragens e Movimento Cidadania para o Desenvolvimento no Tâmega, requereram ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que decretasse a suspensão do prazo para a consulta pública do EIA, do Empreendimento de Fridão, e a mesma foi indeferida. 


Do ponto de vista substancial também não verifica qualquer vício na DIA para que a mesma possa ser impugnada. E de acordo com o art. 120º, n.º 1 alínea a) do CPTA, um dos requisitos para a adopção de uma providência cautelar é a evidência da “…procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;”


No caso concreto, a DIA não é ilegal, tanto mais que a Câmara Municipal foi consultada enquanto entidade externa, ao abrigo da alínea c) do ponto 5 do art. 9º do DL n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo DL n.º 197/2005, de 8 de Novembro, e o seu parecer foi considerado e integrado na DIA.

Ainda no seguimento da doutrina do Prof. Vieira de Andrade, só na presença de um acto nulo, a providência deverá ser decretada, pelo que por não estarmos perante um acto nulo, a providência cautelar não será adoptada. 


Também não há “…fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” (cfr. art. 120º, n.º 1 alínea b)) considerando que os receios e/ou prejuízos foram mencionados pelos serviços municipais, tendo sido comunicados à Agência Portuguesa do Ambiente e integrados na DIA. 


Também não está em “…causa a adopção de uma providência antecipatória, (porque não há) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (cfr. art. 120º, n.º 1 alínea c) do CPTA. 


A Câmara municipal de Amarante não pode invocar que, a não adopção da providência cautelar, irá produzir prejuízos de difícil reparação, uma vez que estes prejuízos foram acautelados e previstos na DIA. 


Ora, não se verificando uma das situações previstas no art. 120º, n.º 1 do CPTA, o requerimento de adopção de uma providência cautelar contra a DIA afigura-se como um “caso perdido” logo de início. 


Por outro lado, a providência sendo cautelar e dependente de um processo principal (cfr. art. 113º, n.º 1 do CPTA), mesmo que fosse adoptada (o que só por mera hipótese académica se admite), caducaria, nos termos do art. 123º, n.º 1 alínea a) do CPTA, porquanto não se vislumbra qualquer vício na DIA para que se possa pedir ao TAF a sua anulação, declaração de nulidade ou inexistência jurídica.

Atendendo ao exposto e considerando que a Ex.ma Câmara Municipal não assumiu uma posição desfavorável à construção da barragem (cfr. DIA, pág. 29), mas apenas uma posição condicionada à implementação das medidas de minimização e compensação aprovadas na reunião de 08/02/2010 (que tal como supra referido foram consideradas na DIA), sou de opinião, salvo melhor entendimento, que a Ex.ma Câmara Municipal não deve impugnar a DIA por não existirem fundamentos de facto e de direito para tal.


Sónia Azevedo Pinto, Jurista (Câmara Municipal de Amarante) - 13 de Julho de 2010

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