PNBEPH - BACIA DO DOURO
Portugal regressa à política das barragens 50 anos depois
“A água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal.”
Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000
(Quadro de Acção Comunitária no domínio da política da água)
Com o arrastar do tempo sobre matérias de inegável interesse colectivo, materializadas em dossiês volumosos, cuja complexidade técnica inibe e distancia o cidadão da plena tomada de consciência sobre as problemáticas em agenda, temos criado na sociedade o contexto favorável à proliferação de opiniões susceptíveis de se repartirem entre posicionamentos antagónicos, mais ou menos estabelecidos em análises difusas de arreigada convicção pessoal, quase sempre talhados em défice de conhecimento e excesso de superficialidade.
A avidez de liderança individual e o desejo de assistir aos efeitos da propagação dos próprios argumentos no senso comum cria um ambiente do tipo babilónico, propício a ocultar a propriedade a quem a possa deter, ficando todos à mercê de quem, desse modo indirecto, exerce verdadeiro condicionamento social, e tem na disseminação do ruído as portas abertas para a tomada de decisão.
Em democracia todas as opiniões são possíveis, susceptíveis de vencer ou de ser vencidas, plausíveis ou não, mesmo quando construídas e alimentadas numa dimensão parcelar de uma realidade mais abrangente, ainda quando resultam do que apenas se infere de argumentos infundados ou baseadas em premissas erróneas, que sempre têm lugar a se fazerem ouvir.
Mas, ainda em democracia, nem todas as opiniões produzidas sobre a mesma matéria remetem para juízos sustentados em conhecimento exaustivo da realidade, dos factos, dos dossiês, e das circunstâncias em que são produzidos, de modo a que qualquer discorrência possa proporcionar o débito de argumentação coerente e íntegra, ou alcançar conclusões ou resultados assertivos que permitam conduzir a sociedade pelas melhores vias de decisão.
Desde há 15 anos, quando tomei a meu encargo estudar e reflectir sobre a actualíssima problemática «barragem de Fridão/cascata do Tâmega» – retomada para o público em 2007, com a patranha impingida ao país e aos portugueses no «Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico» –, estava seguro que, sobre esta matéria, interessaria aos decisores que, na sociedade local/regional, não houvesse esclarecimento consentâneo com a dimensão do problema e, ao invés, se instalasse mais um clima propenso à emergência de desencontros e ao engodo de ruídos.
Essa possibilidade constitui o pior dos cenários possíveis para lidarmos e enfrentarmos com êxito a mais cruel e cega decisão de um Governo que os concelhos ribeirinhos do Tâmega, Tua e Sabor jamais hão recebido.
Na bacia do Douro, ou nalgum dos seus concelhos afectados pelo mercenário «Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico», tentar o debate sobre a problemática de qualquer uma das barragens projectadas e programadas com base nos argumentos das eléctricas (EDP ou IBERDROLA) ou em algum dos argumentos que temos ouvido do ministro do Ambiente e do Primeiro-ministro, seja o da “criação de emprego”, o das “energias renováveis”, do “cumprimento de Quioto”, de “combate às alterações climáticas”, da “independência nacional”, do “desenvolvimento do interior”, e agora como a chave para “dinamizar a economia nacional em tempo de crise”, é condescender com a tentativa de intoxicação da opinião pública e não de promover o seu esclarecimento, é seguir na via estreita, dogmática e sectária, de alienar patrimónios multigeracionais em que o Governo enveredou, é ceder ao facilitismo de argumentos brumosos, infundados e irresponsáveis, de possuir uma opinião sem ter de a construir a partir de fundamentos credíveis, válidos, actuais e escorreitos.
No caso do «Programa Nacional de Barragens», é precisamente isso que vemos nos nossos governantes e naqueles que os acompanham nesta cruzada perversa: não conhecem as realidades para as quais as barragens estão projectadas, demonstram ignorar ou serem capazes de vergar a Lei do Estado e da Comunidade Europeia, sem respeito pelas pessoas e por patrimónios naturais e culturais ancestrais legados apenas em usufruto. No entanto, andam pelo país numa correria cega a propagandear os negócios da água, dos rios, e das paisagens como um bodo aos empobrecidos e desvitalizados povos do interior. Levando mais promessas de progresso e desenvolvimento nos alforges, que sabem que jamais poderão cumprir ou induzir com a construção de barragens.
Com uma nova roupagem e uma argumentação falaciosa, 50 anos depois, está em curso no país a reedição do programa hidroeléctrico do Estado Novo, consignado no Plano Hidráulico da extinta Hidro-Eléctrica do Douro, desde meados da década de 1950, também ele, tal como hoje, prometendo “contribuir para a valorização económica e social da região” (sic).
Em que sociedade, em que país, sob qual modelo de desenvolvimento, é que se poderão incrementar etapas sucessivas de progresso e alcançar maiores níveis de desenvolvimento sócio-económico, quando tendo por condições a subversão de valores naturais inquestionáveis – marcas identitárias do ambiente e da qualidade de vida de uma região –, aviltando patrimónios inalienáveis, desrespeitando a Lei com o alto patrocínio do Governo do Estado, submetendo as populações a perdas irreparáveis em segurança, qualidade de vida e saúde pública, como se não existisse vida em toda a extensão das três sub-bacias hidrográficas durienses (Tâmega, Tua e Sabor) a submergir?
José Emanuel Queirós, in A Voz de Trás-os-Montes (Edição N.º 3063) - 26 de Fevereiro de 2009
Movimento Cidadania para o Desenvolvimento no Tâmega (Amarante)
1 comentário:
Só hoje acedi ao este blog que me surpreendeu por perceber que a nível nacional cada vez há uma maior percepção e sensibilidade para estes problemas associados à construção das grandes barragens.
Parabéns pelo vosso movimento, e contem com o meu apoio incondicional.
Lucinda Duarte
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