segunda-feira, 1 de abril de 2019

PNBEPH - RIO TÂMEGA: Barragem de Fridão. Onze anos depois, “já chega de ansiedade e de desânimo"






PNBEPH - RIO TÂMEGA

Barragem de Fridão. Onze anos depois, “já chega de ansiedade e de desânimo"

População exige rápida decisão. Proprietários de casas e terrenos eventualmente submersos dizem ter direito “a descansar a cabeça”. Autoridades e associações alertam para o risco de segurança em Amarante.


(Clique na imagem para ver a reportagem)

A pacatez dos dias e a monotonia das rotinas da família Freitas foram subitamente quebradas quando, há onze anos, Joaquim foi surpreendido com uma carta da EDP.
À Renascença, Joaquim recorda aquele dia em que, chegado do trabalho em Guimarães, tinha à sua espera a missiva onde era informado de que a empresa pretendia ver a sua casa porque ela ia ser inundada com a construção da barragem de Fridão.
“Foram dias e tempos complicados” para a família Freitas, revela - “para quem juntou toda a vida para uma casa”.
Quando Joaquim soube da construção da barragem, a casa onde vive há mais de 30 anos já precisava de renovar o telhado. Nos primeiros tempos, protelou o investimento, mas o impasse na decisão não lhe deixou alternativa. Esperou “até onde foi possível”, porque a determinada altura “a água já estava a entrar dentro de casa”. Foi então que gastou “perto de 30 mil euros”, apesar de não saber se tem de sair.
No concelho de Mondim de Basto quase ninguém quer a barragem de Fridão e muitos anseiam por uma decisão do Ministério do Ambiente. A data já está marcada: vai chegar até 18 de abril.
A eventual construção da barragem no Rio Tâmega é motivo de enorme apreensão também em Amarante, cuja população teme pela própria segurança face à criação de um paredão de 98 metros a oito quilómetros de distância do centro histórico da cidade.
Um eventual colapso da barragem causaria uma onda de 14 metros que atingiria o centro de Amarante em 13 minutos. Ao risco junta-se a incerteza de quem a montante da barragem pode ficar sem os seus bens.
Se a construção avançar, a futura albufeira inundará mais de 800 hectares nos concelhos de Amarante, Celorico e Mondim de Basto. Há 11 anos, aquando do anúncio da obra, quatro dezenas de proprietários ficaram a saber que os seus bens não vão resistir à subida das águas. Isto só em Mondim.
A casa será inundada pela subida das águas Foto: Henrique Cunha/RR

Joaquim Freitas faz a história do anúncio do projeto e não a dissocia da sua experiência. Recorda que “foi o Governo de Sócrates que decidiu avançar” e que, então, “tinha um prazo de dois anos para encontrar alternativa”. Contudo, “o Governo Sócrates foi abaixo e o de Passos Coelho cancelou a obra”, levando os residentes daquela região como Joaquim à situação presente, em que continuam a aguardar uma decisão do Ministério do Ambiente.
"Quero ver se a cabeça fica um pouco mais aliviada e se ficamos mais descansados", desabafa Joaquim à Renascença. "Já não tenho idade para andar agora à procura de terreno e mandar fazer uma casa com as condições que eu tenho na minha."
Há histórias idênticas a esta espalhadas por todo o concelho de Mondim de Basto. Joaquim será vítima da subida das águas do Tâmega e Álvaro Freitas perderá os seus sete moinhos, casas e dois hectares e meio de terreno por causa dos efeitos da futura albufeira no Cabril, um dos afluentes do rio que entra em Portugal pelo concelho de Chaves.
Álvaro dedicou a sua vida à agricultura e à moagem de cereais e, à Renascença, conta que tinha quatro anos quando foi viver para o moinho, pertencendo “à décima geração na arte".
No seu otimismo, Álvaro não acredita que a barragem vá ser construída. O mesmo acontece com Rui Daniel, o filho, cujo gosto “pela tradição familiar e pela natureza” o fizeram manter uma ligação umbilical aos moinhos.
Álvaro Teixeira é moleiro no rio Cabril. Foto: Henrique Cunha/RR
À semelhança dos seus outros quatro irmãos, Rui também concluiu uma licenciatura, aliando a “contabilidade ao trabalho nos moinhos”. Acaba por trabalhar “na área de formação e na de moagem de cereais”, porque sempre manteve “um gosto particular pela tradição familiar e pela natureza”.
Juntamente com o pai, Rui viveu o dilema da indefinição quanto à construção da barragem. Calculado o risco, venceu a tese da recuperação dos moinhos.
Rui recorda que, “em 2008, quando foi anunciada a barragem, já se pensava em renová-los”. Com o problema desencadeado pelo projeto da barragem, a renovação não avançou, só que “com a passagem dos anos, os moinhos foram-se degradando”. Chegou um momento em que "tivemos de tomar decisões”, explica.
Entre “renovar as instalações ou parar a atividade”, a família não teve dúvidas: “nem sequer olhámos às consequências” - e a recuperação dos moinhos avançou, mesmo que o negócio da família possa ter os dias contados.
Vítima da subida das águas do Cabril será também o Parque de Campismo de Mondim de Basto, que verá todo o seu perímetro ser inundado.
Parque campismo de Mondim de Basto. Foto: Henrique Cunha/RR

Maria José Martins, responsável pelo Parque da Federação Portuguesa de Campismo e Montanhismo de Portugal, diz à Renascença que o maior problema é o impasse na decisão. “O parque tem vindo a perder porque não se consegue investir” e é por isso que é necessária uma decisão rápida, reforça. “Já chega de ansiedade e de desânimo.”
Maria José relata algumas conversas com os utentes do parque e a ideia comum de que “já chega, já é tempo a mais para andarmos neste impasse".
Também o presidente da Câmara de Mondim, o socialista Humberto Cerqueira, lamenta o impasse. “Estamos a falar de muitas pessoas de idade que tiveram uma parte do seu final de vida muito marcado por esta realidade”, considera. “Até do ponto de vista afetivo é uma questão muito difícil, muito desconfortável.”
O autarca refere, por outro lado, que também “há pessoas mais novas que foram adiando investimentos na qualidade e conforto das suas casas por causa da indecisão”, e que “todas essas pessoas têm mais do que razões de queixa do Estado e da EDP”.
Humberto Cerqueira defende que é de "inteira justiça" indemnizar quem nos últimos anos viveu a ameaça de perder os seus bens, e declara ser ”particularmente sensível às queixas e às angústias das pessoas”, garantindo que, “se estivesse na situação dessas pessoas", se sentiria "no direito de pedir uma indemnização pelos danos causados”.
Perdas ambientais e económicas
Se é no Concelho de Mondim de Basto, no distrito de Vila Real, que haverá maior número de construções afetadas, é o município de Amarante, pertencente ao distrito do Porto, que enfrenta os maiores riscos em caso de acidente ou rutura do planeado paredão.
A montante, a futura albufeira vai inundar cerca de 817 hectares, o correspondente a 800 campos de futebol. A jusante, chovem críticas e receios quanto à segurança, aos impactos ambientais e ao eventual desinvestimento na região.
A rutura da barragem provocaria um onda de 14 metros de altura, acima desta ponte. Foto: Henrique Cunha/RR
O coronel Artur Freitas, da Associação cívica Pró-Tâmega, considera “uma farsa” a forma como foi feita a consulta pública do Estudo de Impacto Ambiental e diz não aceitar “um cutelo de 90 metros de altura em cima do pescoço dos amarantinos”.
“A maior parte dos indicadores de risco que estava na posse das autoridades só foram facultados depois da consulta pública”, acusa Artur Freitas em conversa com a Renascença. “Do lado do Instituto da Água está referido que, em caso de rutura da barragem, a onda de inundação atinge a baixa de Amarante em 13 minutos, passando 14 metros acima do tabuleiro da ponte de São Gonçalo”, ressalta.
Para além do parecer do Instituto da Água, o coronel Freitas traz também à discussão o testemunho da Autoridade Nacional da Proteção Civil, para garantir que “o decisor não levou em conta o risco da proximidade da barragem à baixa de Amarante".
Sentado numa esplanada, bem junto à Ponte de São Gonçalo e com os olhos voltados para o Tâmega, o ativista promete: “Se o senhor ministro for, na realidade, por uma decisão de cortar o nó górdio pelo elo mais fraco que é a população, avançamos com uma queixa para a Comissão Europeia e com outra para a Procuradoria Geral da República.”
Em 2016, Governo e EDP chegaram a acordo para suspender a construção por um período de três anos, com o objetivo de reavaliar o projeto.
Na contagem decrescente para o anúncio da decisão, o Grupo Ambientalista GEOTA lançou uma campanha para travar a barragem.
Ana Brazão, que coordena o projeto Rios Livres dentro do grupo ambientalista, escolheu a margem direita do Tâmega, na freguesia de Gatão, para lembrar que "o risco de Fridão é o mais elevado" de acordo com o Regulamento de Segurança de Barragens.
Ana afirma à Renascença que, na verdade, “este projeto é composto por duas barragens - uma principal para a retenção de água e uma segunda para regularizar os caudais para jusante, para a cidade de Amarante”, que serão edificadas “em cima de uma zona de suscetibilidade sísmica, uma zona onde foram registados recentemente alguns sismos”.
Para a responsável do GEOTA, “isto vai fazer com a que a probabilidade de um risco de sismo possa aumentar em relação ao dano causado".
Gatão, Amarante. Foto: Henrique Cunha/RR

Cancelar a barragem? Estado não deve indemnizar a EDP
O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, já reconheceu que cancelar o projeto obriga a devolver à EDP os 218 milhões de euros pagos em 2009 como contrapartida financeira pela exploração.
Em comunicado, a GEOTA diz que “o Estado tem argumentos para negociar com a EDP o cancelamento sem custos. E que, mesmo que se tivesse de devolver o valor pago pelo direito de implementação e indemnizar a EDP, avançar com a barragem ficaria mais caro para os portugueses, através da fatura da eletricidade”.
A tese é explicada à Renascença por Ana Brazão, que assegura que "seria inaceitável que o Estado indemnizasse a EDP por um projeto que a empresa não quer há muito” e cujo anúncio de desistência tem sido adiado “na esperança de essa iniciativa partir do Estado", o que permite à elétrica "exigir a devolução e indeminização”.
Por outro lado, Ana Brazão afirma que “caso o Governo não consiga evitar a devolução dos 218 milhões de euros pagos por Fridão”, isso continua a “ser mais barato do que permitir o projeto”.
Nas contas da ambientalista, “em vez de se repercutir nos impostos, o custo será refletido na fatura de eletricidade de todos os consumidores” e em vez “de apenas 218 milhões de euros, estaríamos a falar desse mesmo valor acrescido do investimento de cerca de 300 milhões de euros na obra, ao qual se juntariam custos operacionais e de manutenção”.
Na estimativa do GEOTA estaríamos perante um valor “nunca inferior a 700 milhões de euros”, ou seja, “com ou sem indeminização, cancelar fica sempre mais barato”.
A EDP diz que "a decisão de implementação do projeto cabe ao Governo" e que "mantém total disponibilidade para, em conjunto com as diferentes entidades envolvidas no projeto, explorar as melhores soluções".
                             Rio Cabril, Mondim de Basto. Foto: Henrique Cunha/RR
Câmara de Amarante exige novo estudo de impacto ambiental
Na região, há preocupação quanto à segurança de Amarante e também quanto às perdas ambientais e económicas resultantes de um projeto que vai inundar o correspondente a 800 campos de futebol.
O presidente da autarquia, o social-democrata José Luís Gaspar, é um dos que acredita que a barragem vai afastar investidores. “Há um efeito psicológico que não está estudado e que é saber como é que o investidor vai investir abaixo da cota da barragem" se a construção avançar.
O autarca não tem dúvidas de que “o investidor, sabendo que Amarante passa a ser uma zona inundável, não vai investir”, considerando por isso que “Amarante fica a perder em termos de investimentos por parte de privados”.
José Luís Gaspar recorda que, em 2010, a Câmara, ainda de maioria socialista, votou por unanimidade uma moção contra a barragem e defende ser “obrigatório fazer-se um novo Estudo de Impacto Ambiental” caso a obra se concretize. “Há dimensões que não foram bem acauteladas”, garante.
Contactado pela Renascença, o Ministério do Ambiente remeteu todos os esclarecimentos para 18 de abril, dia em que deverá ser conhecida a decisão do Governo sobre a construção da barragem de Fridão.
Henrique Cunha, in Renascença - 1 de Abril de 2019

Sem comentários: