domingo, 4 de janeiro de 2009
Parecer da Quercus – Núcleo Regional de Vila Real, relativamente ao Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico
Parecer da Quercus ANCN – Núcleo Regional de Vila Real, relativamente ao Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico
O governo português tem em fase mais ou menos adiantada um plano, que designou por "Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico" com o qual visa construír nos próximos anos 10 barragens de grande dimensão no território nacional. Apresentamos de seguida a nossa posição relativamente a este plano.
1. Aspectos gerais sobre as barragens e seus impactos
De uma forma geral não somos favoráveis à construção de barragens de grandes dimensões porque, muitas vezes, os seus efeitos positivos que são o aproveitamento hidroeléctrico, o aproveitamento hídrico e a possível regularização de cursos de água, são, muitas vezes, largamente suplantados pelos seus efeitos negativos, a saber:
§ Desaparecimento de belíssimas paisagens
§ Desaparecimento de explorações agrícolas de eleição.
§ Desaparecimento de património histórico e cultural inestimável.
§ Danos ecológicos irreparáveis
§ Biodiversidade gravemente afectada
Por outro lado, consideramos falaciosos determinados argumentos que vemos recorrentemente apregoados por quem pretende construir as barragens:
Criação de empregos na região? Para nós o tipo de emprego que realmente favorece as regiões é aquele que é sustentado no tempo. Sendo assim, não consideramos vantagem significativa para as regiões o emprego ligado à construção civil, que pode ser gerado durante a fase da construção. Acresce o facto de a maioria dos empreiteiros, e respectivos sub-contratados, empregarem na maioria das vezes mão-de-obra estrangeira que não se estabelece. Durante a fase de operação das barragens, hoje em dia fortemente automatizadas, os poucos empregos gerados são de caracter técnico, especializado ou superior, que normalmente é recrutado no litoral. O contrário é verdade, perdem-se empregos, em consequência do desaparecimento de terrenos, agrícolas ou não, ficando os proprietários e sobretudo os seus descendentes, sem qualquer referência na região que os faça permanecer.
Dinamização do turismo na região? Normalmente o que acontece no período seguinte à instalação de uma grande barragem, é que uma zona com excelentes características paisagísticas e dehabitat é inundada com uma massa de água, incaracterística no local. Dependendo da variação do nível da água da albufeira, que por vezes é acentuada, forma-se uma faixa de terreno lamacenta a ladear a margem, na qual nenhuma vegetação se consegue estabelecer, muito pouco estética. As inúmeras barragens já existentes no país, retirando alguns casos pontuais, como por exemplo a do Azibo, não justificam considerar-se o turismo como uma mais valia natural deste tipo de empreendimentos.
As barragens não contribuem para o aquecimento global? Não é verdade por vários motivos. A acumulação de grandes volumes de água pode originar substancial libertação de metano, causado por fenómenos de eutrofização de material acumulado no fundo. Ora o metano é um gás bem mais potente que o dióxido de carbono no efeito de estufa. Por outro lado cálculos recentes apontam para emissões na ordem dos 10g CO2 - equivalente por khw produzido nas barragens europeias, sendo que 70% deste valor está associado ao período de construção. Por outro lado as áreas inundadas deixam de poder funcionar como sumidouros naturais de CO2. Quanto a nós a contabilidade ao que se ganha nas emissões teria de ser feita desta forma.
No plano apresentado pelo governo, temos extremas reservas relativamente a duas barragens que se situam dentro da área de actuação do Núcleo.
2. O caso da barragem do Foz Tua
No caso da barragem do Foz Tua existem quase todos os impactos negativos que associamos às barragens de grande dimensão. Por um lado ocorrerá a supressão pura e simples daquele que nós consideramos ser talvez o mais belo vale de toda a bacia do Douro, com grande parte da sua paisagem centenária e ecossistemas ainda intactos. A perda desta grande beleza paisagística, transversal a alguns concelhos, constituirá um empobrecimento da região. A eliminação do mapa de uma das linhas de faixa estreita mais belas do mundo – considerada assim por associações de amigos dos caminhos-de-ferro de todo o mundo – constituirá uma perda irreparável, quer de um aproveitamento turístico sustentável, uma vez que linhas com estas características são muito procuradas para lazer, quer de uma futura ligação ferroviária na região, no âmbito de políticas de transporte mais amigas do ambiente, que se possam querer encetar no futuro. Do mapa serão também riscados importantes locais de cultura e lazer. São exemplo as termas de S. Lourenço, com água quente sulfurosa que brota dos pés da estátua medieval do mesmo santo, onde se tomam banhos medicinais, num edifício de forma invulgar, e as Caldas de Carlão (concelho de Alijó), onde se manifesta algum do vulcanismo da região, estas já com instalações modernas de hidroterapia. Seria também submergida a praia fluvial no Tinhela, adjacente às Caldas de Carlão, com arvoredo que lembra o Choupal em Coimbra. Do ponto de vista ecológico e paisagístico, afigura-se-nos impensável, o buraco de dimensões épicas que teria de ser feito, entre o local da barragem e a verdadeira foz do Tua, locais separados por cerca de 300 metros, para viabilizar o mecanismo de contra-embalse previsto, o qual visa aumentar a produtividade da barragem. A foz do Tua é uma zona de grande sensibilidade ambiental que seria, pura e simplesmente, arrasada. Com esta barragem, o Estado português faz tábua rasa da diversidade biológica, violando assim compromissos assumidos na União Europeia, nomeadamente a Estratégia Pan-Europeia da Diversidade Biológica e Paisagística. Pelos motivos já citados, acreditamos que a construção da barragem do Foz Tua teria impactos muito negativos ao nível da paisagem, da ecologia e do património, inviabilizando uma verdadeira exploração turística dos concelhos, constituindo assim um empobrecimento significativo da região e contribuindo para a desertificação humana destes locais. Os benefícios apontados afiguram-se-nos demasiado escassos para contrapor aos aspectos negativos identificados.
3. As barragens do Tâmega
No caso das Barragens situadas na Bacia do Tâmega, duas delas situam-se no curso principal - Vidagos e Fridão - e os seus impactes serão de elevado vulto. É preciso recordar que, tal como consta no Plano de Bacia do Douro, este curso de água se encontra fortemente eutrofizado. Consequentemente, o seu represamento vai diminuir ainda a sua capacidade de auto-depuração, aumentando as consequências nefastas da poluição. Repare-se que a albufeira do Torrão, situada na parte terminal deste rio apresenta já extensos desenvolvimentos de cianobactérias que põem em causa o abastecimento público e mesmo o contacto directo. Avançar com barragens nestas condições ambientais irá colidir com a Directiva Quadro da Água (DQA) que obriga a inverter o processo de degradação, para se obter o “bom estado ecológico” e não a incrementá-lo. E não será necessário referir pormenorizadamente o que significará para a cidade de Amarante ter a zona peri-urbana, de grande interesse recreativo, inundada pela nova albufeira, de grandes dimensões (perto de 200 hm3), que irá destruir uma galeria ribeirinha de grande interesse em termos de biodiversidade e aumentar os níveis de contaminação do rio que já se verificam nesta cidade. A própria barragem de Gouvães, situada no Rio Torno, é inaceitável dado que para aumentar os caudais turbinados por este empreendimento se prevê desviar os caudais da cabeceira do Rio Olo. Ora este rio representa o eixo do Parque Natural do Alvão que se desenvolve ao longo do seu vale, além de representar um dos ecossistemas aquáticos mais bem conservados do Norte de Portugal. Mais vale nestas condições eliminar o próprio Parque. Até porque as barragens e albufeiras vão colidir com a própria mobilidade e habitat do lobo ibérico nesta área, além de muitas outras espécies de grande interesse conservacionista (toupeira de água, lontra, panjorca, etc.).
4. Que estratégia energética para o país?
Somos da opinião que o tema subjacente à construção de barragens, que o governo português agora coloca, é de âmbito mais lato, enquadrando-se na estratégia energética para o país. Tal como é dito no plano apresentado, “o consumo de energia em Portugal tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos, continuando a crescer acima da média europeia e mantendo-se uma elevada dependência do exterior”. No entanto o crescimento económico do país tem-se processado abaixo da média europeia, o que evidencia graves problemas de ineficiência energética. A má relação entre o consumo energético do país e o seu produto interno bruto, para o qual muito contribui, como se sabe, o sector do transporte automóvel, foi fomentado nas últimas décadas pelos sucessivos governos, ao efectuarem uma clara aposta no transporte rodoviário, e no retrocesso, e mesmo desintegração, da rede ferroviária nacional, como se sabe o transporte de melhores características ao nível da eficiência energética e dos impactos ambientais.
Achamos que o que faria sentido neste momento seria um “Plano Nacional para a Poupança e Eficiência Energética”, uma vez que a energia mais barata é aquela que evitarmos consumir. Uma aposta séria do governo neste sector é urgente, dado que a poupança e eficiência energética acabam por ter os efeitos benéficos que se pretendem para a economia portuguesa, sem ferir minimamente os nossos recursos naturais e ambientais. Aliás, consideramos que o Estado português deve assumir a sua responsabilidade na situação actual do país relativamente ao exagerado consumo energético quando comparado com a produtividade, uma vez que foram as políticas seguidas nos últimos 20 anos que nos fizeram chegar a esta situação, e encontrar formas de começar a reverter a situação, em vez de se lançar sempre no aumento da produção energética e incentivando depois o seu consumo, construindo auto-estradas, centros comerciais (que consomem tanta energia quanto pequenas cidades e não produzem 1 KW que seja do que consomem) etc., numa espiral infindável de aumento de produção e consumo. O Estado português, aliás, concordou, com os restantes países europeus, num objectivo de economia energética de 20% até 2020, de acordo com o plano de acção da Comissão para a eficiência energética
Ao nível da produção energética por renováveis, mas de baixo impacto ambiental, consideramos existir muito a fazer no nosso país, sendo que as barragens de grande dimensão, pelos enormes impactos negativos que acarretam, deveriam ser apenas o último recurso. Desde o reforço da capacidade dos geradores das barragens existentes, melhorar a capacidade de armazenamento das eólicas, para as quais sabemos existirem já soluções técnicas que não passam pela construção de mega-barragens, e a exploração do grande filão, esse sim com potencialidade para impulsionar a economia portuguesa ao nível do emprego, da produção e das exportações que é o filão da micro-geração eólica e fotovoltaica.
Parece-nos que esta clara aposta do governo português visa sobretudo satisfazer os lobbies das empresas de energia de âmbito nacional e ibérico, fomentando a grande acumulação de recursos financeiros em certos sectores minoritários da sociedade, através de mega-empreendimentos. Em momento algum concordaremos com uma visão tão redutora do futuro da produção energética nacional, pensada sobretudo à custa de mega-produções localizadas, com grandes impactos paisagísticos, ambientais e patrimoniais.
5. Plano Nacional de Barragens versus Planos de Gestão das Bacias Hidrográficas
Finalmente consideramos absolutamente inaceitável que este plano seja apresentado antes dos novos Planos de Gestão das Regiões Hidrográficas, a serem elaborados a curto trecho, quando deveria ser exactamente o contrário, dado que estes instrumentos de ordenamento, estipulados pela DQA, é que deveriam definir os cursos de água possíveis para aproveitamento hidroeléctrico em função das envolvências ambientais. Dá assim ideia que se pretendeu desde já condicionar a sua elaboração aos pressupostos decorrentes da definição antecipada destes empreendimentos.
6. Considerações finais
A nossa posição é de total desacordo com este plano porque afecta gravemente o património natural, cultural e histórico das regiões onde se inserem as barragens, particularmente as analisadas, comprometendo ainda o desenvolvimento sustentável dessas regiões
Pela Direcção da Quercus ANCN – Núcleo de Vila Real
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PNBEPH - Quercus - Comunicado
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