quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O nosso rio [Tâmega]

O NOSSO RIO
 O que vou referir é possível que fique na História triste de Amarante, porque se a Barragem do Torrão atingir uma cota alta, talvez os penedos com nome próprio, os lugares ribeirinhos, as ilhas, os canais, as praias, as golas e os açudes cantantes desapareçam para sempre, submerso pelas águas represadas.
Eu disse o nosso rio, porque todos nós, amarantinos, por enquanto, temos um bocadinho dele, como temos a nossa praia, a nossa ínsua ou a nossa Ilha dos Amores. As lavadeiras têm o seu lavadouro e, quem possui uma guiga, possui também na margem do rio uma árvore para a prender.
Até Pascoaes chamava seu a este Rio, pois diz num dos seus poemas:
... “Oh verdes águas do meu rio manso,
que os açudes não fazem revoltar...”
Verdes não por estarem poluídas, mas porque a luz coada através da vegetação verde das margens lhes dá uma bela cor esverdeada.
Que os açudes não fazem revoltar, porque passam suavemente por cima deles, sussurrando.
Mas deixemos por agora a poesia, para darmos um passeio de barco, vencendo as dificuldades naturais e a corrente, descendo o nosso Rio, como fiz muitas vezes, desde o açude de Frariz até ao Amarantinho. Para isso vamos seguir ao sabor da corrente, por entre margens de densa vegetação.
Deixando para trás o açude-cachoeira de Frariz, chegamos breve ao local onde está a ser construído o futuro Parque de Campismo, que ficará situado em óptimo e apropriado local. Logo adiante, à direita, podemos ver o conhecido Penedo da Rainha, impressionante pelo seu tamanho e na base do qual se podem descobrir algumas tocas de raposa. Mais abaixo, mas do lado esquerdo, temos as Veiguinhas que eram bonitas, mas agora não o são por terem sido ocupadas com instalações industriais. Ainda do lado esquerdo vemos o belo e agradável parque da Quinta da Costa Grande com altas e bonitas árvores, local que bem poderia ser aproveitado para fins turísticos. Seguindo sempre, aparece-nos, ainda do lado esquerdo, outro grande penedo, que até tem duas pranchas, de onde se pode saltar para a água, sem qualquer perigo, à sua volta, tem muita profundidade.
Sempre pelo meio e olhando agora para a direita, encontramos a Praia Aurora, a melhor, a única praia fluvial do nosso rio, onde a água não está poluída. Esta praia, com modernos e higiénicos balneários, tem um bar e tem o “penedinho”, meta inicial dos aprendizes de natação.
(Foto)
Ultrapassada a praia Aurora e as instalações de captação de água de abastecimento público, encontramos à nossa direita a conhecida Porta do Barco, hoje uma das entradas para o restaurante do Parque de Campismo. Era por esta porta que os frades saíam para embarcar e irem cultivar a Quinta de Frariz, onde criavam gado, colhiam boas hortaliças e tratavam das vinhas, que produziam excelentes vinhos. Nesta quinta há ainda uma bonita Capela do tempo deles, hoje fechada.
Depois da Porta do Barco estamos noutro açude-cachoeira, o da Feitoria, onde a água salta, com maior ou menor ruído, conforme a época do ano.
Do lado esquerdo deste açude estão as celebradas azenhas da Feitoria, um dos motivos mais procurados pelos pintores do nosso rio.
Passando o açude, temos à direita o Parque de Campismo tão apreciado e frequentado, mas que esperamos seja dentro em breve transferido para o, não menos próprio, Lugar da Rainha.
Vamos desembarcar agora na bela Ínsua. Mas antes reparemos no original Penedo do Açúcar, assim chamado por ter sempre alguma areia ou pedra moída, na sua parte superior. Se for de Verão é certo que encontramos em cima dele alguns campistas regalados a apanhar sol.
Façamos então uma incursão na nossa pequena Ilha. Esta começa logo abaixo do açude da Feitoria e tem um a vegetação densa, com aspecto selvagem. No seu interior há canais, os canelhos, assim chamados pelos antigos, que a dividem conforme as cheias e as épocas do ano. Se tivermos a sorte e for no mês de Março, podemos descobrir os ninhos com as gansas, no choco e os gansos a vigiar.
Na ponta da Ínsua, se olharmos para cima, vemos a estrutura da nova ponte, com os pilares e as tais vigas, que referi.
No lado esquerdo da ponta da Ínsua encontramos a grande gola, muito difícil de transpor em barco a remos.
A partir daqui o rio alarga muito até à Ponte Velha, onde é mais estreito.
Antes da ponte temos, do lado direito, o mercado que não devia ter sido construído aqui.
Ainda à direita, no leito do rio, próximo da margem, podemos na época seca e se o rio for baixo, apanhar grandes mexilhões, cujas válvulas chegam a atingir 10 centímetros.
Deixemos para trás e no fundo os mexilhões do Tâmega, passando agora por debaixo do grande arco da Ponte Velha, não nos esquecendo, ao transpô-lo, quando estivermos bem a meio, de bater as palmas, falar alto ou dar um berro, para ouvirmos o eco responder com nitidez.
Passada a ponte, o nosso rio alarga de novo e torna-se mais calmo, o que nos permite olhar para cima e saudar as pessoas que estão na grade do Largo de S. Gonçalo a ver os barcos ou os gansos deslizarem no rio. Um pouco mais abaixo, à esquerda, encontramos o Penedo dos Três Irmãos, de triste memória, segundo a tradição.
Estamos então no Rossio das lavadeiras, que hoje raras vezes lá se encontram, mas onde, em contrapartida, podemos encontrar parte da «frota» dos grandes gansos brancos, que tão bonitos são.
Chegamos depois a novo açude cantante, o dos Morleiros. Mas não podemos deixar de ver, antes dele, a Ilha dos Amores, paradisíaco lugar do Parque Florestal.
Na parte direita deste açude há um canal para levar a água ao moinho da azenha dos Morleiros, água que o faz funcionar há mais de 200 anos.
No lado esquerdo do açude vemos um penedo conhecido pelo nome de Penedo das Pombas onde, de facto, se encontram sempre duas ou três pombas a beber ou a tomar banho e onde há uma videira bravia vivendo há muitos anos com raiz na areia numa fenda da rocha.
A água, ao saltar neste açude e nos rochedos que se lhe seguem, faz um ruído suave que se ouve bem até no Hotel Silva e na Rua Cândido dos Reis.
Entre o açude e a margem, do lado da Florestal, há o estreito pequeno a que se seguem as sete golas, muito perigosas para quem não souber nadar ou nadar mal.
A seguir ao açude temos a Praia dos Morleiros, que seria também boa se a água não estivesse poluída pelos esgotos directos das casas ribeirinhas.
Estamos agora na Varziela e no meio do rio surge-nos o Penedo da Moura que, quando criança, eu queria desencantar à meia-noite, conforme a lenda. Este é o último penedo, com nome, no curso do rio dentro da área da Cidade.
Chegamos depois ao Paúl e finalmente ao Amarantinho, nossa meta.
Depois deste passeio paradisíaco, vem à ideia uma poesia de Pascoaes, bem enquadrada neste ambiente:
“Azenhas, velhas mós de pedra dura;
Açudes, borbotões de espuma a cair;
Grupos de árvores, maciços de verdura,
Cercados da água a rir.”

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P.S. – Àqueles que ficaram admirados ou incrédulos ao saber que no nosso rio há grandes mexilhões, digo que também há camarões, lampreias, enguias, irós, barbos, escalos, bogas e até já foram pescadas trutas no açude de Frariz.
Esta é a parte da fauna aquática, pois há outra que se alimenta desta: lontras, cágados ou sapo-conchas, pica-peixes, melros aquáticos, pitas de água ou mergulhões, etc., etc..


Luís van Zeller Macedo (1989), Pequena História de Amarante (pp. 21-24), edição autor, Amarante.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bela descrição, caro eng. van Zeller.Parabéns e obrigado por nos dar a conhecer o Tâmega em Amarante.
É verdade!. Relembrar e perpetuar em palavras as emoções sentidas é reconhecer a importância que " o nosso rio" teve no passado, respeitar o presente, e legar a nossa memória colectiva para o futuro.
Um abraço
Alfredo Pinto Coelho