BARRAGENS - RIO TÂMEGA
Há uma ponte "Indiana Jones" que liga duas aldeias, mas pode ficar submersa
A Ponte de Arame liga Monteiros e Veral, duas aldeias de Trás-os-Montes separadas pelo Rio Tâmega. Mas construção de uma barragem da Iberdrola ameaça a ligação pedonal.
Há mais de um século que uma ponte pedonal aproxima duas aldeias do distrito de Vila Real separadas pelo Rio Tâmega.
A Ponte de Arame, que inicialmente era apenas de madeira, foi construída pelos habitantes de Monteiros e Veral mas a relação entre as povoações é mais antiga que a estrutura que as divide.
Maria Olímpia Mourão trocou Monteiros por Lisboa para trabalhar mas desde que se reformou que visita a aldeia natal com cada vez mais frequência e sente a necessidade de lutar pela sobrevivência da ponte "antes que seja tarde demais". À SÁBADO, conta que a aproximação entre as duas aldeias começou numa simples "barquinha".
"Os de Veral vinham moer o milho e o centeio a Monteiros, fazer o azeite, vender o vinho e outras trocas. Fizeram uma barquinha e era assim que se movimentavam."
A ideia de construir uma ponte de madeira aconteceu devido às enchentes do Tâmega no inverno que dificultavam o acesso entre aldeias vizinhas. Mas mesmo uma ponte de madeira era de fraca resistência e, em 1936, a Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar comprometeu-se a ajudar a erguer uma nova – "até porque o seu presidente tinha familiares em Veral e precisava de lhes fazer chegar a mercearia", diz à SÁBADO.
Em 2005, um grande incêndio causou enormes prejuízos nas duas aldeias e obrigou a obras de restauro na Ponte de Arame, que tiveram o apoio das duas autarquias de Vila Pouca e Boticas. A estrutura mantém-se desde então inalterada, possibilitando a criação de postos de trabalho, amizades, casamentos e famílias entre os dois lados.
Apesar de ser uma ponte pedonal, os povos de Monteiros e Veral utilizam-na diariamente para o transporte de gado, de mercadorias e até pessoas passeiam nela de "motorizada", conta Maria Olímpia à SÁBADO.
Agora, a Ponte Indiana Jones de Trás-os-Montes, como também é conhecida, corre o risco de ficar submersa devido à subida das águas do Tâmega. A responsável é a Iberdrola, a empresa espanhola que tem prevista a construção de três barragens do Alto Tâmega até 2023 – projeto cujas negociações se iniciaram ainda quando José Sócrates era primeiro-ministro e cujo investimento ronda os 1.500 milhões de euros.
Esta sexta-feira, dia 22, a Comissão de Acompanhamento Ambiental – composta por representantes da concessionária, membros da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e das autarquias de Vila Pouca de Aguiar e Boticas, entre outros organismos – vai reunir-se no Porto para decidir o futuro da Ponte de Arame.
Em cima da mesa estão três cenários: o fim da ponte que é considerada património local e, consequentemente um ainda maior isolamento entre Monteiros e Veral; a recolocação da ponte para um lugar distante e que não sirva as necessidades das duas aldeias; ou a subida da ponte para uma cota acima da subida das águas para que o passadiço possa continuar a servir o seu propósito.
Para Maria, a ponte "será recolocada", só "não sabe onde". "Os habitantes das duas aldeias querem vê-la por perto por considerarem estar ali muito do seu esforço", explica à SÁBADO.
Mas tanto Maria como o resto da população de Monteiros não vai estar presente na reunião da Comissão de Acompanhamento Ambiental e só saberá o resultado da solução encontrada três dias depois, numa sessão de esclarecimento na sede da Junta de Freguesia do Bragado, a sete quilómetros da aldeia.
Para a associação Amigos da Ponte de Arame, a única solução que serve os povos vizinhos de Monteiros e Veral é a subida da ponte para níveis que impeçam que esta fique submersa.
Isto porque o fim da estrutura obrigaria a que as cerca de 30 pessoas que vivem em Veral tivessem que percorrer 52 km para visitar os familiares ou ir trabalhar em Monteiros. Em causa está também o acesso a Vila Pouca de Aguiar, dos poucos municípios num raio de quilómetros, que ficaria dificultado sem uma ponte.
Os habitantes das duas aldeias olham para a reabilitação da ponte como uma oportunidade turística. "Ultimamente tem vindo muita gente ver a ponte", afirma Maria Olímpia à SÁBADO.
A representante da Amigos da Ponte de Arame aponta também que, "talvez pelo reduzido número de pessoas e de eleitores", "quer a Câmara de Vila Pouca de Aguiar, quer a de Boticas nunca se empenharam em resolver a situação" e pede "coragem" para impedir que a estrutura comece a cair aos poucos.
Diogo Camilo, in Sábado - 20 de Novembro de 2019
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