Rio Tâmega - Barragem do Torrão
Estado da Albufeira do Torrão nas preocupações da Câmara do Marco de Canaveses
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SUMÁRIO EXECUTIVO
INTRODUÇÃO
O documento reflecte a manifestação de ocorrências observadas na massa de água da albufeira do Torrão (Sobre-Tâmega - Marco de Canaveses).
Os factos observados no rio Tâmega, em Abril de 2010, apontam para o cúmulo de um processo de degradação progressiva do meio hidrofluvial.
Foram feitas diversas diligências para caracterização dos factos, junto de académicos, da tutela da bacia hidrográfica do Douro, e consulta de estudos analíticos e científicos sobre a caracterização das águas e estado do Tâmega.
Os pareceres obtidos sobre o estado físico, químico e biológico da água concluem que «pode colocar em risco as populações humanas que utilizam a água para consumo ou recreio.» (Pereira; Vasconcelos, 2002).
O ‘fenómeno’ observado aponta para a perda da qualidade do meio hídrico na albufeira do Torrão.
CONTEXTO HIDROFLUVIAL NA ABUFEIRA DO TORRÃO
A massa de água na albufeira do Torrão apresenta grandes alterações do seu estado natural – físico, químico e microbiológico.
As margens, apresentam aspecto pantanoso, constituído de lodos onde se acumulam pastas verdes e sobras de todo o tipo.
As alterações são resultantes da transformação de um meio lótico em meio semi-lêntico, onde o aumento da luminosidade, calor e excesso de nutrientes despoleta uma progressiva degradação da água na albufeira.
O processo designa-se «eutrofização», caracterizado pela proliferação de fitoplâncton dominado por cianobactérias (algas azuis), Microcystis aeruginosa e Pseudanabaena mucicola, diatomáceas e clorófitas (Pereira; Vasconcelos, 2002), que torna as águas do rio muito tóxicas.
ESTUDOS DA MASSA DE ÁGUA (ALBUFEIRA DO TORRÃO)
Os documentos técnicos e científicos analisados são compreendidos entre o ano hidrológico de 1990/91 e o ano de 2008.
Relatório (1992) da Direcção de Serviços Regionais de Hidráulica do Douro (DSRHD) conclui: «não será aconselhável o recreio com contacto directo e indirecto», adiantando, «essa proibição deverá ser acautelada nos meses de Agosto e Setembro por se tratarem dos meses críticos». (Maria do Rosário Norton)
Estudo (Setembro de 1999 e Setembro de 2000) de Pereira e Vasconcelos, refere: «Os dados obtidos permitem-nos concluir que a ocorrência de cianobactérias tóxicas neste troço do rio Tâmega, pode colocar em risco as populações humanas que utilizam a água para consumo ou recreio.»
Estudo fitoplanctónico (2000), refere: «o contacto directo de cianobactérias é um risco, principalmente tratando-se de estripes produtoras de toxinas». As conclusões acentuam: «as actividades náuticas, o banho e mesmo pontos de captação para águas de abastecimento público, em massas de água contaminadas, são susceptíveis de produzir exposição às cianotoxinas».
Estudos paramétricos microbiológicos (2000 e 2001) à «água bruta» do rio, junto à captação (ETA do Semealho), demonstram o aumento da densidade Algal Total, densidade de clorófitas e densidade de cianobactérias.
O relatório de avaliação à eficiência da ETA - Semealho (2002) refere: «É necessário encarar a situação (fluorescências de cianobactérias em albufeiras e rios) como um problema de saúde pública, justificando-se a aplicação de medidas fundamentais, que passam pela vigilância das águas e pela protecção das águas de superfície, de modo a melhorar o seu estado eutrófico.» De onde se relevam as advertências: «As cargas orgânicas elevadas e variáveis, existentes durante os blooms, podem comprometer aparentes sucessos de tratamento. Será necessário continuar estudos pormenorizados sobre a eficiência da remoção de cianobactérias e cianotoxinas nas várias etapas de tratamento de água da E.T.A. do Marco de Canaveses.».
Dissertação de Mestrado de Ana Regueiras (2009) identifica a existência de «22 estirpes de cianobactérias», com dominância de Aphanizomenon flos-aquae e Microcystis aeruginosa e «a produção de microcistinas-LR (até 10,62µg/L)» em concentrações «cerca de 10 vezes superiores aos legislados e semelhantes aos referidos pela OMS para águas recreativas.»
AS OCORRÊNCIAS-ALVO
Os serviços municipais foram informados, a 14 de Abril de 2010, da formação de “bolsas de ar” ou “erupções” no leito do rio Tâmega, (ponte de Canaveses).
Os técnicos deslocados ao local presenciaram o seguinte:
► a emersão de bolhas gasosas, trazendo o que aparentavam ser lamas que, à superfície, abrem em círculos com a produção de auréola de espuma.
As ocorrências observadas registam-se em localizações de algumas centenas de metros para montante da captação de água de Semealho, que alimenta 87,5% do sistema de abastecimento público do concelho.
PROCEDIMENTOS OBSERVADOS
As ocorrências aconselhavam ao esclarecimento prévio da situação.
Os procedimentos foram:
contacto com o Professor Doutor António Luis Crespí (UTAD), visando a explicação do ‘fenómeno’;
contacto com a Administração Regional Hidrográfica do Norte (ARH-N), alertando para «o facto de existir uma captação de água, que fornece o abastecimento de água de grande parte do concelho».
RESULTADOS ALCANÇADOS
A situação foi explicada pelo Professor Doutor António Crespí (UTAD) como podendo tratar-se de um processo de «fermentação anaeróbica».
O Professor Doutor Rui Cortes (UTAD), no parecer transmitido referiu:
— «São bolhas de metano que resultam da decomposição de matéria orgânica nos sedimentos. É um fenómeno comum em meios eutrofizados.»
Da Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. (ARH-N), a Directora do Departamento de Recursos Hídricos Interiores (Maria José Moura), salienta:
— «Poderá também haver uma acidificação do meio, mas o mais provável é que a qualidade habitual da água naquele troço de rio decorra do estado de eutrofização em este se encontra.»
EQUADRAMENTO DE PRINCÍPIOS
O estado alterado da massa de água do rio Tâmega (albufeira do Torrão) leva em consideração os princípios internacionais relativos ao Ambiente com incidência no recurso da Água:
► «pôr fim à exploração insustentável dos recursos hídricos» – princípio consagrado pela ONU (2.000) na Declaração do Milénio (n.º 23 - IV, p.6);
► «Assegurar a sustentabilidade ambiental em 2015» – meta para cumprir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), estabelecidas na Década Internacional para a Acção «WATER FOR LIFE» (2005-2015), da Assembleia-Geral das Nações Unidas;
► «2015 o prazo para alcançar uma boa qualidade das águas de superfície» – Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000 (Quadro de Acção Comunitária no domínio da política da água);
► «desenvolvimento sustentável» e «uso eficiente, racional e parcimonioso deste recurso» – Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA) – Resolução do Conselho de Ministros n.º 113/2005, de 30 de Junho.
CLASSIFICAÇÕES ATRIBUIDAS NA LEI
Sobre este troço terminal do rio Tâmega e a massa de água da albufeira da Barragem do Torrão (EDP, S.A.) recaem diversas classificações:
«reserva ecológica nacional» (REN) – leito do Tâmega e rede hidrográfica, ( Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março);
«zona sensível» – reserva de água da Albufeira da Barragem do Torrão (Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho);
«ecossistema a recuperar» – Plano de Bacia Hidrográfica do Douro (Decreto Regulamentar n.º 19/2001, de 10 de Dezembro);
«albufeira de utilização protegida» – plano de água e zona terrestre de protecção (Decreto Regulamentar n.º 3/2002 de 4 de Fevereiro), reclassificada no novo regime (Portaria n.º 522/2009 de 15 de Maio);
«zona protegida» – reserva de água na Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro );
«corredor ecológico» na categoria de «zona sensível» – vale do Tâmega no Plano Regional de Ordenamento Florestal do Tâmega (Decreto Regulamentar n.º 41/2007, de 10 de Abril).
CONCLUSÕES
Os resultados descritos pelo Professor Doutor Rui Cortes (UTAD) como «bolhas de metano» resultante de «decomposição de matéria orgânica nos sedimentos», em processo de «fermentação anaeróbica» (Professor Doutor António Crespí – UTAD), conjugado com a informação da Directora do Departamento de Recursos Hídricos Interiores (Maria José Moura) da ARH-Norte, referenciando que «poderá também haver uma acidificação do meio», como resultado do «estado de eutrofização» da massa de água, e o recurso a vários estudos científicos permitiram apurar que a situação hidrofluvial reportada reflecte acentuado estado de degradação.
As directivas internacionais, a Lei comunitária do Parlamento Europeu e a legislação nacional, têm o ano de 2015 como limite para «pôr fim à exploração insustentável dos recursos hídricos» e «para alcançar uma boa qualidade das águas de superfície».
O estado de alteração física, química, biológica e microbiológica da água no troço do rio Tâmega em referência, aponta no sentido da progressiva perda de qualidade do meio, traduzido anualmente na densidade crescente do fitoplâncton e no aumento da ocorrência de cianobactérias tóxicas.
A alteração microbiológica e a toxicidade da massa de água está patente em todos os estudos consultados, onde é manifesto tratar-se de «um problema de saúde pública», pelo «risco» para as populações, nomeadamente, as «que utilizam a água para consumo ou recreio».
Os estudos consultados confirmam a ocorrência de florescências de fitoplâncton na massa de água da albufeira do Torrão, «podendo ser responsáveis por danos a nível do ecossistema e da saúde humana». O grupo das cianobactérias é um dos organismos mais comuns e «que causam os efeitos mais negativos em termos de diminuição da qualidade das águas.».
O ‘fenómeno’ é o resultado cumulativo de um processo de degradação ambiental do meio dulciaquícola, desenquadrado dos princípios internacionais em matérias de ambiente e de recursos hídricos, em desconformidade com a Lei nacional e comunitária e em ruptura com as classificações atribuídas.
Trata-se de um problema do interesse público local, regional, nacional e comunitário, que importa acautelar pela gravidade ambiental e pelas potenciais repercussões susceptíveis de incidir na saúde pública.
Câmara Municipal do Marco de Canaveses - 23 de Julho de 2010