EDP compra concerto à Orquestra do Norte
Tenho direito à indignação
Alguém disse que Deus deu-nos a música para adoçar as nossas penas, acalmar as nossas paixões, e acrescentava que nos votos de amor há menos sinceridade e menos lealdade, e que ao contrário, os acordes da música têm o poder de nos consolar, sem perigo de nos trair.
Este meu introito vem a propósito de uma notícia no Jornal de Amarante - INICIATIVA CULTURAL LEVA MÚSICA CLÁSSICA ÀS REGIÕES DAS NOVAS BARRAGENS -, isto com o apoio da EDP e a sua fundação, que pagarão vários concertos a realizar em Mogadouro, Vila Velha de Ródão, Amarante e Vila Real.
Quero desde já afirmar todo o meu respeito à Orquestra do Norte, sou um entusiasta dos seus concertos, mas não pactuo com situações que são uma afronta, seja qual for a Fundação ou empresa, que se preparem para contribuir para grandes perdas em Amarante, quanto ao seu património monumental e ambiental.
Dia 12 de Dezembro não estarei no anunciado concerto, pois gostaria de viver numa terra em que os cidadãos temesses menos as leis que a vergonha.
Para mim, o compromisso da EDP com a cidadania e causas relevantes é uma ofensa e uma vergonha com a realização do anunciado concerto.
E eu teria vergonha de assistir a um concerto que implicaria estar a dar o aval ao "espírito caridoso" da EDP, incapaz de justificar respostas às realidades que iremos sofrer imediatamente. A bondade é tanta que até os impostos gerados com o empreendimento serão pagos em Lisboa!!!
A banalidade do local no Jornal de Amarante serve de exemplo à nossa acomodação, como já tivéssemos destino traçado. A vulgaridade da rotina cá pelo burgo, o receio da crítica para denunciar a realidade de um empreendimento, sempre explicado pelos interessados, sem contraditório, quanto ao nosso património paisagístico e ambiental, numa época cada vez mais ameaçada, quanto aio que mais prezamos em Amarante.
Por enquanto vou lendo indignado a propaganda que vai sendo feita, até para apalpar terreno por parte da EDP, mas é tudo tão postiço, até sem sentido, que a riqueza prometida no futuro, desaparecerá num momento, tal como os calores do Estio em dia de tempestade.
É nestas alturas em que nos "querem dar música", que devemos fechar os ouvidos aos aduladores.
Quanto a essas originalidades musicais estou em crer que cada verba gasta nestas festanças até podia incluir um bom beberete no fim das noites, pois alguém vai pagar tudo isto mais tarde. Assim mais ou menos como aquele anúncio de uma agência de viagens, "viaje agora e pague depois".
Se Deus quiser marcarei falta ao concerto da Orquestra do Norte, no dia 12 de Dezembro pretérito.
Que bom seria não abandonarmos o campo de batalha, resistirmos à afronta e aos reveses que nos preparam. Vamos aguentando a propaganda e o desencanto na expectativa que as verdades que menos gostamos de ouvir, são quase sempre aquelas que mais importa saber mesmo que nos queiram embalar com música. É que há perdas para Amarante mais fáceis de prevenir que reparar.
Mas enquanto a EDP e a sua fundação andarem a fingir de ricaços e altruístas, no próximo ano a electricidade aumentará 3,8%, e vão ter mais este pedacinho, e para compor o ramalhete da factura o ministro da economia desde desgoverno, autorizou o aumento da taxa de audiovisual em 29%, revertendo daí um bónus para a RTP de 33 milhões de euros. Só...
Mas com tanta resignação não vamos lá...
Hernâni Carneiro, in O Jornal de Amarante, N.º 1588, Ano 31 (p. 8) - 28 de Outubro de 2010