quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Rio Tâmega - Amarante: Até parece que conhecem o meu rio…

Rio Tâmega - Amarante
Até parece que conhecem o meu rio…

Até parece que entendem muito de rios, afluentes, algas, microrganismos nefastos sem grande importância. Até se crê que estudaram bem a lição e pesaram as consequências da construção de uma barragem, ao enaltecer os lucros e ao afastar a dimensão da catástrofe ambiental.

Até se concorda com os argumentos de que a agricultura nesta (e noutras) zonas já não dá nada e se compreende que, mediante a perspectiva de ganhar alguns trocados com as supostas indemnizações, se encham de esperança as almas vazias daqueles para quem o rio nunca deve ter servido senão para lhes fornecer água. Quem não consegue compreender que a palavra benefícios nunca poderá caracterizar o que está a ser projectado para o rio Tâmega é porque nunca o sentiu como seu.

Este rio faz parte da vida e está na alma de muitas gentes ribeirinhas que com ele partilharam momentos únicos de cumplicidade. Os beneficiados nunca serão os nossos filhos, porque se a barragem vier a ser construída jamais poderão experimentar a sensação de plenitude que se vive quando, na calma do seu leito, se mergulha e se encontra uma paz total de comunhão com a Natureza. Qual reencontro entre mãe e filho!

Toda a minha infância e toda a minha adolescência foram passadas ao lado do rio. No Inverno, o leito enchia-se com as chuvas e as águas que corriam dos caminhos. Espreitava à janela para ver se já tinha crescido mais um pouco, se o barco preso aos ramos dos amieiros ainda lá estava. À noite adormecia com o ressoar das águas agitadas que me embalava e garantia a normalidade da existência humana. 

Chegada a Primavera, olhava-O da mesma janela para ver o quanto tinha já descido, e contava os dias que faltavam para a chegada do tempo quente de Verão, para de novo nele alegrar os meus dias de menina. Nadei horas perdidas neste rio. Ri, joguei, brinquei. Faz parte de mim e de muitos outros para quem o anunciado desaparecimento do Rio Tâmega e todo o seu habitat será a morte de um ente muito querido. Guardo ternamente, com saudade, imagens do “meu” rio de quem aos poucos me fui afastando.

Após a construção da Barragem do Torrão suas águas começaram a sofrer com a estagnação das correntes e a poluição que nelas se foi acumulando. Aos poucos as praias fluviais foram-se tornando cada vez mais desertas. Sempre tive esperança que os senhores com poder neste país, nesta cidade, neste rio investissem dinheiros para despoluir e recuperar o rio Tâmega. Só esta é a atitude aceitável de quem ama – recuperar e proteger. Nunca destruir, como parece quererem fazer.

Enquanto amarantina, desgostam-me profundamente os falseados argumentos a favor da construção da barragem, pretendendo fazer-nos acreditar na suposta criação de empregos, miragens de negócios e receitas daí adjacentes que nos trarão o bem-estar e o progresso. O que eles ainda não descobriram é que essa felicidade é podre e não se renova com a passagem das estações, como a daqueles que amam verdadeiramente o rio.

Até parece que conhecem o meu rio…


Ana Catarina Costa (Amarante) - Dezembro de 2008

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostava, de lhe poder transmitir, o quanto emocionado fiquei ao ler o seu texto.
Gostava, que estas palavras que agora escrevo, lhe transmitissem a minha "solidariedade" emocional, relativamente ao sentimento que expresa relativamente ao (nosso) Rio.
Gostava, que os "entendidos"!, os "defensores"!, os "decisores da morte anunciada"! mas, acima de tudo : que todos aqueles que lavaram os "cueiros" no rio; que "cresceram" nas suas correntes ; que se "embebedaram" na sua água; e que "sonham" com a passagem, viva, deste testemunho da nossa vida, lessem o seu texto.
Parabéns!

Alfredo PInto Coelho
Mondim de Basto

Anónimo disse...

Gostava, de lhe poder transmitir, o quanto emocionado fiquei ao ler o seu texto.
Gostava, que estas palavras que agora escrevo, lhe transmitissem a minha "solidariedade" emocional, relativamente ao sentimento que expresa relativamente ao (nosso) Rio.
Gostava, que os "entendidos"!, os "defensores"!, os "decisores da morte anunciada"! mas, acima de tudo : que todos aqueles que lavaram os "cueiros" no rio; que "cresceram" nas suas correntes ; que se "embebedaram" na sua água; e que "sonham" com a passagem, viva, deste testemunho da nossa vida, lessem o seu texto.
Parabéns!

Alfredo PInto Coelho
Mondim de Basto