BACIA DO TÂMEGA - BARRAGENS
“Se a lei for cumprida nenhuma barragem na bacia do Tâmega será construída”
RESUMO
O Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico-PNBEPH prevê para a bacia do Tâmega 5 novas barragens. Em 2010, uma das barragens foi reprovada pelos impactes ambientais que iria causar, a construção de quatro outros aproveitamentos continua ainda hoje sob discussão.
Em 2007, o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico-PNBEPH previa a construção de 5 novas barragens para o rio Tâmega. Três anos mais tarde, em 2010, uma delas é chumbada pelo governo português devido à descoberta de uma espécie rara de mexilhão. As outras quatro encontram-se adjudicadas e continuam a ser alvo de protestos por parte da sociedade civil e de Organizações Não-Governamentais-ONGA.
A construção do Sistema Eletroprodutor do Tâmega-SET tem início previsto para 2015 sendo esperada a sua conclusão em 2023. O projeto hidroelétrico do SET compreende os aproveitamentos hidroelétricos de Gouvães, Alto Tâmega, Daivões e Padroselos. O último aproveitamento foi retirado do SET no seguimento da Declaração de Impacte Ambiental-DIA, emitida pelo Ministério do Ambiente, sugerindo um cenário alternativo ao projeto da cascata do Alto Tâmega, baseado em apenas três barragens. De acordo com os especialistas, a construção da barragem de Padroselos levaria à eliminação da colónia de mexilhão-do-rio do Norte. Esta espécie rara é protegida por legislação nacional e europeia, tendo sido julgada extinta em 1986. Exemplares desta espécie foram encontrados em 2010 no rio Beça, concelho de Boticas (RTP, 2010). A DIA além de cancelar a construção da barragem de Padroselos condicionou igualmente as outras barragens - "sem comprometer a produção hidroelétrica anual" - sendo imposto o uso das cotas mais baixas propostas no Estudo de Impacte Ambiental-EIA. Também foram apontadas várias medidas de compensação socioeconómicas e ambientais para a região (RTP, 2010).
Nos concursos abertos do PNBEPH para o Tâmega, quatro aproveitamentos foram ganhos pela Iberdrola e um pela Energias de Portugal-EDP. A Iberdrola ganhou um período de concessão de 65 anos para Gouvães no rio Torno, afluente do rio Louredo, para Padroselos no rio Beça, para o Alto Tâmega e Daivões no rio Tâmega. A EDP ficou responsável pela barragem do Fridão, com um investimento previsto de 1.600 milhões de euros concentrados em 9 anos de construção. A espanhola Iberdrola encontra-se a desenvolver o Complexo Hidroelétrico do Alto Tâmega-CHAT, um dos maiores projetos hidroelétricos dos últimos 25 anos na Europa. O CHAT contará com uma potência instalada de cerca de 1.100 MW, esperando alcançar uma produção anual de 2.000 GWh, ou seja, 3% do consumo elétrico do país (IBERDROLA, 2014).
O aproveitamento hidroelétrico de Fridão, localizado entre o concelho de Celorico de Basto (Braga) e o concelho de Amarante (Porto), encontra-se em fase de licenciamento. A EDP prevê um investimento na ordem dos 304 milhões de euros para uma potência instalada de 238 MW, superior aos 162 MW indicados no PNBEPH (EDP, 2014).
A informação das quatro novas barragens para o Tâmega foi recebida pelos movimentos cívicos e ambientalistas com grande revolta. Rapidamente foram organizadas assembleias populares para discutir o tema, organizar protestos e manifestações de rua, bem como chamar a atenção dos meios de comunicação para o facto das populações locais estarem em desacordo com a decisão, exigindo uma reavaliação do custo-benefício destas barragens para o país. Um exemplo disso é o Movimento Cidadania para o Desenvolvimento no Tâmega, cujo slogan é “se a lei for cumprida nenhuma barragem na bacia do Tâmega será construída”. Esta organização, juntamente com movimentos, associações, entidades e cidadãos, liderou em 2010 um protesto com centenas de pessoas na ponte de Amarante, uma das localidades mais afetadas caso o caudal do rio Tâmega seja alterado. O Partido Ecologista Os Verdes-PEV também participou no protesto, relembrando que a barragem irá submergir uma centena e meia de habitações, deixando Amarante num risco constante (PEV, 2010).
No mesmo ano, a associação Salvar o Tâmega realizou um jantar de solidariedade com as populações da bacia do rio Tâmega afetadas pelo PNBEPH (CAMPO ABERTO, FAPAS e QUERCUS, 2010).O argumento principal das associações assenta no efeito de degradação e fragmentação que a albufeira terá na bacia hidrográfica caso o empreendimento seja construído. Assim, alertaram repetidamente para a destruição do "valor do Tâmega como polo turístico associado aos desportos aquáticos" e da ameaça latente ao "ecossistema raro e sensível, com riscos para múltiplas espécies protegidas", considerando que a barragem vai fragmentar e degradar a bacia.
No final de 2011, a Associação Nacional de Conservação da Natureza-Quercus envia uma queixa formal à União Europeia-UE relativa ao SET, por incumprimento da legislação comunitária – nomeadamente a Diretiva-Quadro da Água e a Diretiva Habitats. A queixa reforça a providência cautelar em curso sobre o mesmo empreendimento. Em comunicado, a Quercus defende que o projeto apresenta impactes ambientais significativos, entre os quais a transformação, a fragmentação física do ecossistema, a interrupção de corredores verdes e a fragmentação de habitats aquáticos com a construção do paredão, podendo levar à especiação e/ou degradação dos ecossistemas na bacia do rio Tâmega. É referida entre outros impactes a criação de barreiras no curso do rio para espécies migradoras como a enguia (já em perigo grave nas bacias do Douro e do Tâmega) e a degradação dos habitats e alcateias do lobo em risco de extinção (espécie classificada em Portugal como “Em Perigo”). Finalmente, como se lê no seguinte excerto, os ambientalistas consideram insuficientes os argumentos benéficos para o interesse público: “a base de argumentação para o benefício de interesse público (geração de renováveis e redução da dependência energética externa) não está devidamente comprovada e carece de um estudo de alternativas para estes efeitos, que não foi efetuado” (QUERCUS, 2011).
Em 2014, um conjunto de ONGA, entre elas a Quercus juntamente com o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente-GEOTA, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves-SPEA, a Coordenadora de Afetados pelas Grandes Barragens e Transvases-COAGRET e a associação espanhola Ecologistas en Acción, que lançam de novo o assunto no espaço público enfatizando que as queixas à Comissão Europeia "ainda não foram respondidas" e acusando o Estado português por incorrer "em violação grave de várias diretivas europeias e da legislação nacional” (AGÊNCIA LUSA, 2014). No mesmo ano, o Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia preside ao lançamento dos trabalhos do SET, após cinco municípios afetados (Boticas, Celorico de Basto, Chaves, Vila Pouca de Aguiar e Ribeira de Pena) terem aceite contrapartidas à realização do empreendimento. Este compromisso entre ambas as partes irá pôr fim a um impasse de três anos. O projeto pressupõe a criação de 3.500 empregos diretos e cerca de 10.000 indiretos, 50 milhões de euros para contrapartidas aos municípios, bem como novas iniciativas de desenvolvimento regional nas respectivas localidades (GOVERNO DE PORTUGAL, 2014). A previsão para o início das obras era o ano de 2016 (GONÇALVES, 2015).
Em novembro de 2015 realizou-se a Caravana pelo Tâmega, organizada pelo projeto Rios Livres GEOTA juntamente com o Movimento Cidadania para o Desenvolvimento do Tâmega e a Associação Cívica Pró-Tâmega, com o intuito de divulgar informações sobre a construção das barragens do SET. Esta iniciativa contou com a participação dos moradores das localidades diretamente afetadas pelas barragens, e tinha por objetivo aumentar a mobilização cívica que poderá eventualmente vir a travar este projeto, dado o atrasado das obras (SANTOS, 2015).
No início de 2016, o governo anunciou uma revisão do plano de construção de barragens – o PNBEPH – para cumprir o que estava previsto no acordo celebrado entre os partidos PS, BE, PCP e PEV em novembro de 2016, para a constituição da maioria de esquerda na AR. Sete barragens fazem parte do Plano: Foz-Tua (rio Tua), Fridão, Alto Tâmega/Vidago, Daivões (rio Tâmega), Gouvães (rio Louredo), Girabolhos (rio Mondego) e Alvito (rio Ocreza).
Em 18 de abril de 2016, o governo anunciou que apenas quatro barragens serão construídas, tendo suprimido as barragens de Girabolhos e Alvito, e adiou por três anos a decisão da construção de Fridão (rio Tâmega). Para o rio Tâmega foram mantidas duas das quatro barragens inicialmente previstas: Alto Tâmega/Vidago e Daivões (GEOTA-RIOS LIVRES, 2016; CABRITA-MENDES, 2016). O prazo final para a construção das barragens é 2023, prevendo-se maior intensidade das obras entre 2018 e 2020.
Em Ribeira de Pena, distrito de Vila Real, a população está inquieta e protesta por prever perder as suas casas e terrenos agrícolas; só na área inundável da barragem de Daivões serão setenta habitações (SIC, 2016; CM 2016; TVI, 24).
As ONG Zero e Quercus, embora saúdem a decisão do governo como positiva, consideram-na insuficiente. Defendem a não construção de todas as barragens no rio Tâmega, sugerindo que o Estado pague em 20 anos as multas das rescisões contratuais, e cancele "qualquer incentivo ou subsídio público à construção ou exploração dos aproveitamentos hidroelétricos" (DN, 2016).
Já o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente-Geota e a Liga Para a Proteção da Natureza-LPN divulgaram um extenso comunicado onde criticam frontalmente a decisão tomada pelo governo argumentando que:
- os autarcas e as associações de defesa do ambiente ou desenvolvimento local não tiveram oportunidade para discutir o relatório e o governo apenas negociou com as elétricas;
- é inverídica a afirmação do governo que as obras já começaram na barragens do Sistema do Electroprodutor do Tâmega (Daivões, Gouvães e Alto Tâmega) conforme prova o estudo divulgado pelos Rios Livres/Geota sobre a situação das obras;
- com o adiamento da decisão sobre Fridão obriga-se as populações de Amarante e das Terras de Basto a mais três anos de indefinição e impossibilidade de utilizarem os terrenos abrangidos pela área de uma eventual albufeira;
- não foram levados em conta os impactes cumulativos à fauna, flora e vegetação do Vale do Tâmega de todas estas barragens: na degradação da qualidade da água, nos obstáculos à conetividade dos ecossistemas, na erosão costeira, no microclima que afetará a produção de vinho;
- autoriza a EDP e a Iberdrola a tirar às famílias portuguesas 10.400 M€, ou seja, triplica a dívida tarifária e impõe um encargo de 2.600€ a cada família, equivalente a um acréscimo médio na fatura elétrica de 5% (GEOTA; LPN, 2016).
Por outro lado, os dirigentes das câmaras municipais do entorno das barragens protestaram, alegando que perdem receitas e vantagens para o comércio local que a barragem traria (DN, 2016; TVI 24, 2016).
REFERÊNCAIS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA LUSA. Associações ibéricas apelam à suspensão das três barragens do Alto Tâmega, 10 jul. 2014.
CABRITA-MENDES, André. Cancelamento das barragens da EDP e da Endesa tem "custos zero para os cidadãos". Negócios. 19 abr. 2016.
CAMPO ABERTO; FAPAS; QUERCUS. Jantar solidário com o Tâmega – salvar o Tâmega está nas suas mãos, 2 nov. 2010.
CM. Barragens do Tâmega já mexem na economia de Ribeira de Pena. Moradores preocupados com perda de casas e terrenos agrícolas. Correio da Manhã-CM, 19 de abril de 2016.
DN. Grandes barragens: decisão do Governo não chega, dizem as ONG. Diário de Notícias-DN. 18 abr. 2016.
EDP. Fridão - Informação Técnica. 2014.
GEOTA. Luz verde para as barragens no Tâmega resulta em 10.000M€ tirados às famílias portuguesas. Comunicado conjunto GEOTA-LPN, 21 abr. 2016.
GEOTA. Início. Rios Livres-GEOTA. Acedido em: 18 jun. 2016.
GONÇALVES, ANA. EDP quer arrancar com barragem do Fridão em 2016. Portal de notícias Sapo, economia, 29 abr. 2015.
GOVERNO DE PORTUGAL. Construção de barragens do Alto Tâmega vai criar 13.500 empregos e reforçar energias renováveis, 4 jul. 2014.
IBERDROLA. Projeto Alto Tâmega, 2014.
PEV. Dia 13 de março: manifestação em Amarante contra as barragens no Tâmega e no Tua. Coletivo Regional de Braga do Partido Ecologista Os Verdes-PEV, 11 mar. 2010.
QUERCUS. Quercus apresenta queixa à União Europeia relativamente a quatro barragens propostas para o Tâmega. Quercus, 3 out. 2011.
RTP. Chumbo do Ministério: Mexilhão trava uma das quatro barragens do Alto Tâmega, RTP Notícias, 22 jun. 2010.
SALVAR O TAMEGA. Salvar o Tâmega está nas suas mãos. Blog Salvar o Tâmega. Portugal, 2 nov. 2010.
SANTOS, Pedro. Rios em Risco - Rio Tâmega. Site do projeto Rios Livres GEOTA, nov. 2015.
SIC. População queixa-se dos impactos negativos da nova barragem em Ribeira da Pena. SIC notícias. 19 abr. 2016.
TVI24. Autarquias contestam cancelamento de barragens e há quem fale em falência do projeto. TVI24. 19 abr. 2016.
Oficina de Ecologia e Sociedade (Centro de Estudos Sociais - UC) / CETEM (MCTIC/Brasil) e SOCIUS-CSG (UL), in Portugal: Ambiente em Movimento - 30 de Junho de 2017