RISCO A JUSANTE DE BARRAGENS
António Betâmio de Almeida
CAPÍTULO 7 - EMERGÊNCIAS E GESTÃO DO RISCO
7.1. RISCO A JUSANTE DE BARRAGENS
As barragens construídas pelo Homem, e os volumes de água por elas retidas, constituem potenciais factores de risco no sentido de poderem vir a ser a origem de acidentes graves que ponham em perigo a segurança de pessoas e bens nos vales a jusante. A segurança das barragens, nomeadamente as condições em que as mesmas são exploradas, está, assim, intimamente associada à segurança nos vales onde estão localizadas.
Contudo, as cheias violentas, súbitas ou inesperadas, permanecem como sendo o evento mais temido, perigoso e catastrófico para os habitantes dos vales. Com barragens em exploração num vale, a cheia potencialmente mais perigosa e devastadora é a resultante de acidentes nas barragens. Salienta-se, no caso extremo, o esvaziamento de uma albufeira por efeito da ruptura, total ou parcial, da respectiva barragem. Assim, cada barragem introduz no vale a jusante um factor de incerteza relacionado com a possibilidade, mesmo que remota, de ser, em resultado de um acidente, a causa de cheias catastróficas.
Felizmente, os avanços da engenharia têm vindo a fazer diminuir, de modo muito significativo, a taxa expectável de rupturas nas grandes barragens que têm vindo a ser construídas mais recentemente.
Alguns acidentes paradigmáticos que ocorreram na Europa, na segunda metade do século XX, obrigaram a reflectir no risco nos vales a jusante e na prevenção contra os potenciais efeitos de rupturas de barragens. Citam-se, a título de exemplo, as mais importantes:
- Barragem de Malpasset, em França, de betão (arco) com
- Barragem de Vega de Tera, em Espanha, de contrafortes com
Não obstante o menor grau de mediatização a que estes acontecimentos estavam sujeitos à época, a sociedade, em geral, e a comunidade técnico--científica associada à construção e exploração das barragens reagiram de forma decidida a este tipo de ameaça.
Regista-se, como muito relevante, as acções sistemáticas, a nível mundial, do ICOLD (International Committee on Large Dams) nos domínios da recolha de informação e tratamento estatístico, de análise de possíveis causas de acidentes e incidentes e de recomendações e critérios de projecto e exploração visando a melhoria da segurança das barragens e, de forma indirecta, dos vales a jusante.
O risco induzido pelas barragens e a forma de o controlar nos vales a jusante podem ser objecto de dois tipos extremos e opostos de reacção:
- uma confiança extrema na segurança das barragens e na respectiva exploração, admitindo que todos os aspectos foram adequadamente considerados durante o projecto (ponto de vista do especialista), ou em resultado de uma fé absoluta no poder da ciência e da tecnologia (ponto de vista do crente na eficácia do progresso tecnológico);
- uma forte suspeita, que pode degenerar em aversão e terror, pelas consequências incertas e desconhecidas induzidas por uma ameaça tecnológica e pelas alterações nas condições ambientais naturais, impostas aos cidadãos que habitam o vale a jusante.
Desde a década de 70 até ao presente, a evolução na segurança dos vales tem sido sempre no sentido de melhorar os sistemas de protecção civil bem como os modos de participação e de informação pública, complementando, assim, as acções, cada vez mais elaboradas, de segurança estrutural e hidráulico-operacional nas barragens.
Os meios de informação e o tipo de sociedade actual, extremamente sensível à discussão dos aspectos de segurança ambiental, tornaram a segurança e os riscos tecnológicos um assunto de interesse público cuja discussão aberta passou a ser incontornável.
Entretanto, milhares de barragens
foram sendo construídas, enquanto outras vão envelhecendo sujeitas a uma
potencial deterioração de materiais e perda de capacidade de resistência
estrutural ou a alterações hidrológicas que podem tornar inadequados os órgãos
de segurança inicialmente construídos.
No entanto, vivem, em todo o Mundo, nos vales a jusante, milhões de pessoas, nomeadamente em zonas urbanas ou densamente ocupadas.
Nas sociedades democráticas e
participativas contemporâneas, o poder da comunicação social e da opinião
pública, a liberalização dos regimes económicos, incluindo a privatização da
propriedade e exploração de grandes infra-estruturas de interesse público, e a
responsabilização pelos danos resultantes de acidentes tecnológicos, são factores
de pressão muito fortes que tornaram a segurança nos vales a jusante de
barragens um domínio emergente de interesse público que é reconhecido pelos
novos regulamentos de segurança que têm vindo a ser adoptados nos
países desenvolvidos, incluindo o Regulamento de Segurança de Barragens (RSB)
em vigor em Portugal (Decreto-Lei nº 11/90).
Nas décadas de 80 e 90, são propostos e desenvolvidos novos conceitos e metodologias integradas para a segurança nos vales a jusante, conjugando os conhecimentos de engenharia das barragens com novas tecnologias de apoio à decisão e à protecção civil, com metodologias de ciências sociais aplicadas, nomeadamente a sociologia e a psicologia social e, finalmente, com o ordenamento do território e a gestão da ocupação do vale tendo em conta os riscos de ocorrência de cheias.
O principal conceito é o de sistema de segurança integrada baseado em três vectores fundamentais:
• Técnico-Operacional;
No entanto, vivem, em todo o Mundo, nos vales a jusante, milhões de pessoas, nomeadamente em zonas urbanas ou densamente ocupadas.
Segundo ICOLD, 1997, a maioria das vítimas
mortais de todos os acidentes em barragens que rompem envolvem barragens com
uma altura inferior a 30 m
constituindo este tipo de barragem o de maior risco no futuro próximo (ICOLD,
1997, pg. 132).
Nas décadas de 80 e 90, são propostos e desenvolvidos novos conceitos e metodologias integradas para a segurança nos vales a jusante, conjugando os conhecimentos de engenharia das barragens com novas tecnologias de apoio à decisão e à protecção civil, com metodologias de ciências sociais aplicadas, nomeadamente a sociologia e a psicologia social e, finalmente, com o ordenamento do território e a gestão da ocupação do vale tendo em conta os riscos de ocorrência de cheias.
O principal conceito é o de sistema de segurança integrada baseado em três vectores fundamentais:
• Técnico-Operacional;
• Monitorização-Vigilância;
• Gestão do Risco-Emergência.
O componente mais recente, que
complementa e consolida os tradicionais sistemas de segurança é um componente
importante para a segurança dos vales a jusante de barragens. Ele introduz a
consideração da resposta às situações de Emergência, no sentido de ocorrência
de qualquer situação crítica ou acidente imprevisto que coloque em perigo a
segurança da barragem e do vale. Esta resposta
deverá ser planeada e enquadrada por procedimentos especiais. Obviamente, as
situações de emergência nas barragens podem constituir uma séria ameaça à
segurança dos vales a jusante.
O outro componente, a Gestão do Risco, é o conceito que tem sido adoptado para definir o enquadramento e a aplicação de metodologias de resposta aos problemas de segurança integrada da barragem e do vale envolvendo, a necessidade de avaliação e manutenção de níveis de risco, quer na fase de projecto, quer nas fases de construção e exploração, de mitigar danos e de promover a protecção nos vales, face à inevitabilidade de uma segurança não absoluta ou sujeita a incertezas.
No presente capítulo, apresentam-se conceitos e metodologias relacionados com a segurança e o risco de barragens e dos vales a jusante que, progressivamente, vão sendo objecto de atenção nos regulamentos e normas de segurança e no projecto e exploração de barragens. Incluem-se alguns procedimentos propostos para a aplicação do Regulamento de Segurança de Barragens de Portugal.
(…)
O outro componente, a Gestão do Risco, é o conceito que tem sido adoptado para definir o enquadramento e a aplicação de metodologias de resposta aos problemas de segurança integrada da barragem e do vale envolvendo, a necessidade de avaliação e manutenção de níveis de risco, quer na fase de projecto, quer nas fases de construção e exploração, de mitigar danos e de promover a protecção nos vales, face à inevitabilidade de uma segurança não absoluta ou sujeita a incertezas.
No presente capítulo, apresentam-se conceitos e metodologias relacionados com a segurança e o risco de barragens e dos vales a jusante que, progressivamente, vão sendo objecto de atenção nos regulamentos e normas de segurança e no projecto e exploração de barragens. Incluem-se alguns procedimentos propostos para a aplicação do Regulamento de Segurança de Barragens de Portugal.
(…)
7.1.3.
Segurança de barragens e vales
Um dos deveres básicos da Engenharia
é o de evitar o mais possível a ocorrência de acidentes graves nas obras
construídas, nomeadamente nas barragens. Decorre deste dever a aplicação das
melhores práticas possíveis ou conhecidas no projecto, construção e exploração
das barragens, incluindo a consideração do conceito de segurança e a
necessidade da respectiva avaliação.
A segurança (da barragem) pode ser definida como a capacidade da barragem para satisfazer as exigências de comportamento necessárias para evitar incidentes a acidentes (RSB, artigo 3º).
Do ponto de vista lexical, a palavra segurança traduz o grau de firmeza ou de certeza na concretização da referida capacidade mas, também, o grau de confiança ou de tranquilidade de espírito relativamente ao comportamento da barragem.
Podemos, assim, considerar como adequado caracterizar a segurança da barragem a dois níveis distintos (Fig. 7.1):
- Nível Objectivo, de acordo com a quantificação tecnicamente possível do grau de certeza na capacidade de evitar incidentes e acidentes;
- Nível Subjectivo, de acordo com a caracterização da percepção da confiança, individual e social, suscitada por uma determinada barragem ou conjunto de barragens e do relativo grau de incerteza na ocorrência de acidentes.
No que concerne o vale a jusante, de uma ou mais barragens, e os respectivos habitantes e bens materiais económicos ou ambientais, o conceito de segurança está associado à possibilidade de ocorrência de cheias, inesperadas, súbitas e muito intensas (por vezes designadas por macro-cheias), resultantes de eventuais incidentes e acidentes nas barragens a montante.
Cada um dos escalões engloba os dois níveis atrás referidos: o nível objectivo e o nível subjectivo.
O nível objectivo da segurança da barragem consubstancia-se através das práticas e dos critérios adequados de projecto, construção e exploração e da capacidade de observação e vigilância (monitorização) do comportamento da barragem.
- Segurança hidráulica, corresponde à
capacidade da barragem para satisfazer
as exigências de comportamento hidráulico dos órgãos de segurança
e exploração e dos sistemas de impermeabilização, de filtragem
e de drenagem;
A segurança ambiental inclui, entre outros aspectos, a preocupação com as incidências sobre os meios populacionais e produtivos localizados nas áreas sob o efeito potencial da barragem (incluindo a albufeira), nomeadamente:
Na segurança de barragens e dos vales a jusante, o nível subjectivo é o mais complexo na medida em que abrange a percepção individual e a percepção dos grupos de pessoas abrangidas pelos potenciais efeitos de um acidente.
A segurança (da barragem) pode ser definida como a capacidade da barragem para satisfazer as exigências de comportamento necessárias para evitar incidentes a acidentes (RSB, artigo 3º).
Do ponto de vista lexical, a palavra segurança traduz o grau de firmeza ou de certeza na concretização da referida capacidade mas, também, o grau de confiança ou de tranquilidade de espírito relativamente ao comportamento da barragem.
Podemos, assim, considerar como adequado caracterizar a segurança da barragem a dois níveis distintos (Fig. 7.1):
- Nível Objectivo, de acordo com a quantificação tecnicamente possível do grau de certeza na capacidade de evitar incidentes e acidentes;
- Nível Subjectivo, de acordo com a caracterização da percepção da confiança, individual e social, suscitada por uma determinada barragem ou conjunto de barragens e do relativo grau de incerteza na ocorrência de acidentes.
No que concerne o vale a jusante, de uma ou mais barragens, e os respectivos habitantes e bens materiais económicos ou ambientais, o conceito de segurança está associado à possibilidade de ocorrência de cheias, inesperadas, súbitas e muito intensas (por vezes designadas por macro-cheias), resultantes de eventuais incidentes e acidentes nas barragens a montante.
Neste contexto, a segurança no vale
envolve dois escalões:
-
Escalão Barragem, como sendo a origem potencial de cheias perigosas, em
resultado de múltiplas causas possíveis;
-
Escalão Vale, como sendo a zona de impacto das cheias resultantes dum eventual
comportamento inadequado de uma ou mais barragens a montante.
Cada um dos escalões engloba os dois níveis atrás referidos: o nível objectivo e o nível subjectivo.
O nível objectivo da segurança da barragem consubstancia-se através das práticas e dos critérios adequados de projecto, construção e exploração e da capacidade de observação e vigilância (monitorização) do comportamento da barragem.
De acordo com o RSB (artigo 3º), a
segurança da barragem compreende os aspectos estruturais, hidráulicos
operacionais e ambientais:
- Segurança estrutural, corresponde à
capacidade da barragem para satisfazer
as exigências de comportamento estrutural perante as acções e
outras influências, associadas à construção e exploração e a ocorrências
excepcionais;
- Segurança operacional, corresponde à
capacidade da barragem para satisfazer
as exigências de comportamento relacionadas com a operação
e funcionalidade dos equipamentos dos órgãos de segurança e
exploração;
- Segurança ambiental, corresponde à
capacidade da barragem para satisfazer
as exigências de comportamento relativas à limitação de incidências
prejudiciais sobre o ambiente, designadamente sobre os meios
populacionais e produtivos.
A segurança ambiental inclui, entre outros aspectos, a preocupação com as incidências sobre os meios populacionais e produtivos localizados nas áreas sob o efeito potencial da barragem (incluindo a albufeira), nomeadamente:
- no vale a montante, em particular, na fase
de construção, a necessidade de
deslocar habitantes e meios de produção por efeito da inundação provocada
pela criação da albufeira;
- no a jusante, em particular, na fase de projecto e de exploração, a necessidade de prever as consequências de um acidente, independentemente da probabilidade da sua ocorrência.
A definição dos níveis de segurança
na barragem, a consideração da segurança no vale a jusante, relativamente aos
efeitos de eventuais falhas na barragem, pode justificar a introdução de
técnicas de análise de risco nos critérios de dimensionamento estrutural e
hidráulico. O nível (objectivo) da segurança da barragem passa, assim, a
depender do valor ou importância das consequências expectáveis de um
possível acidente compatível com o referido nível de segurança.
A especificação de níveis de
segurança nos vales a jusante, relativamente aos efeitos de acidentes em
barragens, incluindo ocorrências catastróficas prováveis, implica,
inevitavelmente, a adopção de medidas não estruturais de protecção baseadas,
fundamentalmente, em zonamentos e cartas de risco, planos de emergência,
sistemas de alerta e aviso, exercícios e um ordenamento consequente da ocupação
do vale.
Na segurança de barragens e dos vales a jusante, o nível subjectivo é o mais complexo na medida em que abrange a percepção individual e a percepção dos grupos de pessoas abrangidas pelos potenciais efeitos de um acidente.
Este nível subjectivo é função de um conjunto de factores sociais e físicos e influenciará, de modo significativo, o processo de segurança tendo em conta a forma como afectará:
- o diálogo e a informação pública;
- a
resposta aos sistemas de aviso e aos planos de emergência;
- a
opinião sobre as barragens e as tomadas de decisão sobre as mesmas,
nomeadamente futuras obras de reforço ou reabilitação.
Para compreender melhor a razão dos conflitos sociais e dos problemas induzidos por este tipo de infra-estruturas, metodologias multidisciplinares emergentes precisam de ser desenvolvidas e aplicadas.
(…)
Para ler o texto integral (clicar aqui).
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