Estudo
Barragens e nova ponte sobre o Tejo obrigam o país a consumir mais energia
As barragens acrescentam um por cento à procura de energia final
Os grandes projectos de obras públicas defendidos pelo
Governo de José Sócrates contradizem os seus próprios compromissos de política
energética e ambiental e, em vez de porem o país a poupar, vão levá-lo a
consumir mais energia, a emitir mais dióxido de carbono e a gastar mais
dinheiro.
Esta é a ideia de fundo
de um estudo elaborado pelo presidente do Geota (associação ambientalista),
Joanaz de Melo, que pega em dois casos concretos - terceira travessia sobre o
Tejo e o programa nacional de barragens - para demonstrar que se trata de opções
"insustentáveis" face à sua factura energética e ambiental.
Segundo os cálculos de Joanaz
de Melo, professor de Engenharia do Ambiente na Universidade Nova de Lisboa, os
700 milhões de euros de investimento previsto para o tabuleiro rodoviário da
terceira ponte sobre o Tejo vão provocar, a prazo, um aumento de um por cento
da procura de energia final, e mais um por cento de emissões de CO2, por via do
novo tráfego que vai gerar. O programa de novas barragens (as 10 barragens do
novo programa, mais o Baixo Sabor e Ribeiradio) vai custar, por sua vez, três
mil milhões de euros e vai também contribuir com o acréscimo de um por cento da
procura de energia final. Ora, diz o ambientalista, com significativamente
menos dinheiro, com medidas dirigidas para a eficiência energética para vários
sectores económicos e com tempos de retorno também menores, o país pode poupar
até 30 por cento da energia que consome hoje. Com cerca de oito vezes menos
capital (400 milhões de euros) do que o necessário para realizar o programa de
barragens, garante que o país pode reduzir a procura de energia final em 1,3
por cento, reduzindo a energia mal gasta. Comparando com os tempos de retorno
dos grandes investimentos públicos, de 40 anos na travessia do Tejo e de 70
anos nas barragens (correspondentes aos prazos de concessão), o do investimento
em eficiência energética é sete a 10 vezes inferior.
Na análise que fez ao projecto
da terceira travessia do Tejo, Joanaz de Melo não questiona a componente
ferroviária, que, considera, "tem méritos claros", apesar de
"precisar de ter estudos mais aprofundados". Já a decisão de incluir,
de imediato, um tabuleiro rodoviário na travessia, com o pretexto de melhorar a
mobilidade na cidade assim como os atravessamentos para a Margem Sul, onde estará
o novo aeroporto, é descrito como "insustentável" em todos os níveis
ambientais, sociais e económicos.
Joanaz de Melo recupera o
exemplo da Vasco da Gama, para lembrar que, em apenas dois anos, esta segunda
travessia aumentou em 23 por cento o tráfego na região, admitindo "ser
muito provável que a terceira travessia venha a ter o mesmo impacto".
"Para além da poluição ambiental e sonora, esta nova travessia vai trazer
um aumento de seis por cento no tráfego global em Lisboa e corresponde, por si
só, a um aumento de perto de um por cento no consumo de energia e nas emissões
de CO2". No ensaio, Joanaz de Melo argumenta que se as acessibilidades do
Barreiro a Lisboa vão sair melhoradas, todos os exemplos pré-existentes
demonstram que as auto-estradas radiais (como as que estão previstas na Margem
Sul) vão acelerar a dispersão urbana e o uso transporte individual. "O
efeito marginalmente positivo da Ponte 25 de Abril [onde há transportes
públicos a circular] vai desaparecer com o congestionamento de tráfego na
cidade de Lisboa", alega. Também o argumento de ser necessário garantir
acessibilidades ao novo aeroporto é apontado como "falível", pelo
facto de a Vasco da Gama não só ser a travessia mais próxima de Alcochete como
por ter ainda capacidade para suportar uma ligação ao aeroporto nos próximos 20 a 30 anos.
A decisão de construir um
tabuleiro rodoviário na terceira travessia é caracterizada como
"desastrosa" do ponto de vista financeiro por força da exclusividade
da concessão atribuída à Lusoponte. "Não é possível montar nenhum project
finance para pagar este tabuleiro, e terão de ser os contribuintes a arcar com
esta despesa, ao mesmo tempo que vão pagar mais portagens para compensar a
Lusoponte", sintetiza.
Faltaram alternativas
Apesar de as novas grandes barragens terem sido apresentadas com o
objectivo de reduzir as emissões de gases de estufa e de equilibrar o sistema
eléctrico nacional com a produção eólica e térmica, o autor diz que "não
foram identificadas nem avaliadas alternativas" que permitissem objectivos
mais ambiciosos para o mesmo esforço financeiro (três mil milhões de euros) e
não foram tidos em conta critérios de sustentabilidade social, ambiental e
económica, pelo que considera que o programa "é ineficaz quanto aos
objectivos". As 12 novas barragens devem permitir uma capacidade hídrica
adicional de 1,1 gigawatts, para atingir o total de sete gigawatts em 2020.
Se, por um lado, o programa
vai estimular o consumo de mais energia (sem emissões), quando o discurso
oficial é no sentido de uma maior eficiência do mesmo consumo, por outro, o
esforço financeiro necessário é elevado para o resultado final projectado.
"A relevância nacional do programa de barragens é mínima", conclui
Joanaz de Melo.
Embora defenda que o programa não terá os benefícios
ambientais pretendidos, concorda que estas grandes centrais "ajudam na
operação das redes eléctricas", para responder aos períodos de pico e ao
equilíbrio do sistema com a produção eólica e térmica. Contudo, considera que
estes problemas podem ser "significativamente minimizados" por via da
eficiência energética. Consumindo menos, o país reduziria os seus picos também.
Quanto à ligação à restante produção, defende que o Governo devia apostar em
maior capacidade de bombeamento das barragens e no reforço das já existentes,
algo que o plano não estudou.