sexta-feira, 7 de agosto de 2009

As barragens e a lavagem de imagem da EDP













As barragens e a lavagem de imagem da EDP

Falando de publicidade, há o que considero estar dentro do limite razoável do parcialismo e do “puxar a brasa à sua sardinha” e há aquilo que considero que passa além da parcialidade, além da simples falácia e entra no campo da hipocrisia descarada, da mentira disfarçada de boas intenções. A campanha da EDP sobre projectos de barragens, entra infelizmente nesta última categoria. Talvez seja a necessidade de lavar a imagem, depois de anos debaixo de pressão com questões mediáticas como o controverso projecto da barragem do baixo Sabor.

É interessante ver que os animais referidos como sendo defendidos pela actividade da EDP através do projecto de barragens, são justamente os mais emblemáticos de entre aqueles que são mais prejudicados pela construção de tais empreendimentos. Os mesmos que foram usados como bandeira por várias associações de defesa do ambiente para sensibilizar o país dos prejuízos que resultam da construção de uma barragem. Como centenas de outras espécies de animais e plantas menos conhecidas, os lobos, lontras e águias vêem a sua sobrevivência largamente dificultada, se não mesmo impossibilitada, nos locais onde, de repente, surge um enorme lago represado por uma barragem.

Os lobos estabelecem e percorrem territórios imensos, atravessam linhas de água, montes e vales. Uma barragem vem criar um obstáculo intransponível aos percursos destes animais, fragmenta dramaticamente os seus territórios e isola populações que, já sendo baixas como são, muito facilmente se tornarão inviáveis. A tendência será a de desaparecerem da paisagem.
Sobre peixes, e aproveitando o exemplo da projectada barragem do baixo Sabor, esta construção vai eliminar a única zona de desova possível para a população de barbos que vive na barragem da Valeira, no rio Douro onde o Sabor desagua. Sem condições para se reproduzirem, a extinção é inevitável.

Olhando ainda para as imagens da campanha, mostra-se aí um vale com um rio não represado. Quase parece um contra-senso, não parece? A construção de uma barragem ajuda a preservar a paisagem de um rio não represado?

Pois é efectivamente um contra-senso, e sem dúvida nenhuma este mesmo princípio se aplica às restantes imagens dos animais projectados no paredão da barragem.

Jogando com o trocadilho projecto/projecção, que a própria campanha apresenta, “Quando projectamos (estas imagens no paredão de) uma barragem, (não) estamos a projectar um futuro melhor”, estamos a projectar o que foi destruído, o que ali havia antes da barragem ser construída!

É aqui que reside a falácia e a decepção desta campanha. 

Eu não os iria criticar, não tão fortemente pelo menos, se mostrassem céus azuis, campos sem poluição, se destacassem o carácter renovável da energia criada e com isso a protecção indirecta do ambiente, até que falassem nas metas de Quioto, mas assim...

E o que mais me preocupou, e se calhar o que mais me incentivou a escrever este texto, é que, à conversa com alguns amigos e colegas de trabalho sobre esta campanha, percebi que a maior parte das pessoas não está informada, ou atenta o suficiente, para perceber esta falácia tão óbvia. Nem mesmo a apresentação de um vale com um rio selvagem, com cascatas lhes pareceu contraditório com o facto de isso não poder de algum modo ser protegido pela construção de uma barragem.

E é certamente este o público-alvo desta campanha, a grande massa de pessoas menos informadas que, espera a EDP, venha a associar uma barragem à preservação do ambiente, e em particular às espécies retratadas.

Há ainda outra falácia, a do desenvolvimento social das populações locais. Uma barragem só traz movimento e desenvolvimento local durante a sua construção. Durante todo o período de funcionamento normal, uma barragem emprega “meia dúzia” de pessoas, maioritariamente técnicos especializados que, apenas por coincidência serão das populações locais.

Como vai ser então promovido o desenvolvimento local. Com o turismo que se pode promover em resultado do lago artificial, praias fluviais, restauração, hotéis talvez? E pergunto então como fica isso em relação ao prejuízo ambiental que refiro antes? Se as coisas já ficaram mal nesse aspecto então como vão ficar com o crescimento do turismo?

A verdade é que uma barragem causa muitos danos ambientais aos locais onde vai ser implantada. Os ecossistemas são destruídos de modo irreversível, e são criadas novas condições, vai evoluir-se para outra situação qualquer, muito mais pobre do ponto de vista de biodiversidade, e à custa da destruição massiva do que existia antes.

E há alternativas, cito por exemplo um recente comunicado emitido pela Plataforma Sabor Livre sobre este mesmo assunto: “Com o mesmo investimento previsto para o Programa Nacional de Barragens, seria possível pôr em prática medidas de uso eficiente da energia que, sem perda de funcionalidade ou conforto, permitiriam poupar cerca de cinco vezes mais electricidade do que a produção das barragens propostas”.

Aponto igualmente o facto de, depois de esmiuçadas todas as razões, causas e factores, não ser difícil perceber que a decisão de construir uma barragem aqui ou ali depende fundamentalmente de questões financeiras. Constrói-se aqui porque ali é mais caro. Se não está convencido convido-o a visitar o website da Plataforma Sabor Livre e a ler aí os diversos estudos e relatórios relacionados com a construção da barragem do Baixo Sabor e das alternativas que existiam.

Armando Frazão (Texto e Fotos), in Naturdata - 2009

Sem comentários: