sexta-feira, 23 de novembro de 2018

É perigoso enfrentar um bode expiatório - Daniel Deusdado






É perigoso enfrentar um bode expiatório

O jornalista Fareed Zakaria dizia recentemente que a História não é um filme de Hollywood. O populismo da década de 20 e 30 desencadeou a II Guerra Mundial porque os cidadãos baixaram os braços perante causas maiores do seu tempo.

O território de Portugal é hoje uma causa maior. Ultrapassa a nossa idade, é o fio condutor da nossa história. Por essa razão bati-me - a par de muita gente de diferentes sensibilidades - contra a multiplicação das barragens no inóspito Portugal (ou seja, Trás-os-Montes). Barragens essas cujo valor estratégico, enquanto reserva de água, é pobre.

O custo-benefício daquela operação foi indiscutivelmente lesivo para o território. O vale do Sabor era um último reduto do paraíso do Douro Internacional. Hoje é um território selvaticamente humanizado. E na barragem do Tua a degradação é semelhante. Perdeu-se o comboio histórico, o carácter único do vale e ganhou-se um paredão sem sentido, amputando o rio. No rio Tâmega, a mesma coisa. 
         
Claro, há sempre a questão: não queremos energias renováveis? Sim. Mas a tecnologia "barragem de água" é tão agressiva para o ambiente que mais vale ampliar a capacidade de produção das que já existem do que fazer novas e matar os rios. Só que as antigas não geram novos encaixes para os governos nem negócios significativos para o sistema financeiro e construção civil.

Porque chegámos aqui? O caso da energia tem paralelo com a massiva campanha de comunicação que o poderoso lobby das celuloses pôs em prática. Depois de anos a conseguir expandir-se a alta velocidade, os últimos tempos têm sido agrestes. Algo está a correr mal. Muito mal. Não há apenas incêndios. Eles fazem vítimas - muitas. O clima mudou e o ordenamento do território passou a ser um assunto de todos.

(...)

Daniel Deusdado, in Diário de Notícias - 23 de Novembro de 2018

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