sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

IMPOSTOS - BARRAGENS: Governo obriga Fisco a cobrar IMI sobre barragens





IMPOSTOS - BARRAGENS

Governo obriga Fisco a cobrar IMI sobre barragens

    José Fernandes

Autoridade Tributária resolveu deixar de exigir imposto em 2016. Novo secretário de Estado força Fisco a mudar novamente de posição, depois da polémica em torno do não pagamento de impostos na venda de seis barragens pela EDP à Engie

O secretário de Estados dos Assuntos Fiscais vai emitir um despacho a obrigar a Autoridade Tributária a cobrar IMI sobre as barragens, e de forma retroativa aos últimos quatro anos. A notícia é avançada esta sexta-feira pelo Correio da Manhã, e representa uma vitória dos autarcas do Alto Douro, que desde a venda de seis barragens pela EDP a um consórcio liderado pela Engie vêm pressionando a diretora-geral da Autoridade Tributária (AT), Helena Borges, para mudar a sua posição e já ameaçaram recorrer para os tribunais para contestar o seu silêncio.

As interpretações sobre a cobrança de impostos são da responsabilidade da AT, não do Governo, mas, segundo o jornal, a decisão de Nuno Félix baseia-se num parecer do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, de 2006, que defende que as barragens são do domínio privado da entidade que as explora. E, segundo este parecer, deviam pagar imposto.

Falta agora saber o que fará a AT perante o despacho do secretário de Estado, e como justificará as suas sucessivas mudanças de posição sobre o assunto.

Até 2016 o entendimento da Autoridade Tributária era que as barragens deviam pagar IMI. Em 2016, após uma sentença em sentido contrário do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), envolvendo a EDP, e um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), dizendo que as barragens são bens do domínio público, mudou de posição e resolveu passar a assumir que estes imóveis não estão sujeitos a imposto.

Ter o Fisco a mudar de práticas num curto espaço de tempo não é comum, tendo a situação sido denunciada, nomeadamente pelo Movimento Cultural Terra de Miranda, que também chegou a questionar a forma como o CAAD tinha sorteado os árbitros.

No que respeita às barragens, a EDP ainda é o maior produtor hidroelétrico em Portugal, secundada pela Movhera (a empresa liderada pela Engie que lhe comprou as seis barragens no Douro) e pela Iberdrola (que recentemente inaugurou o complexo hidroelétrico do Tâmega).

IMI, IMT, SELO, IRC… ZERO IMPOSTO, MUITA POLÉMICA

As barragens do Alto Douro saltaram para a ordem do dia quando, em 2020, a EDP vendeu seis empreendimentos a um consórcio liderado pela Engie, por 2 mil milhões de euros. O negócio não pagou IMT, imposto do Selo e também não terá pago IRC, com o movimento cultural e as autarquias a denunciarem o recurso a um planeamento fiscal agressivo. A isto, somava-se também a não sujeição dos imóveis a IMI, o que, para os autarcas, indiciaria um favorecimento indevido à EDP e à Engie/Movhera. Helena Borges e a EDP foram chamados ao Parlamento, e o funcionário do Centro de Estudos Fiscais que faz parte do Movimento Cultural foi alvo de um processo disciplinar, entretanto arquivado.

Dois anos volvidos, a Autoridade Tributária ainda não se pronunciou sobre nenhum dos casos. Nem sobre os contornos fiscais do negócio, para saber se as empresas deviam ter pago IMT e Imposto do Selo, e quanto, nem quanto ao IMI.

A demora levou a autarquia de Miranda do Douro a ameaçar processar a Autoridade Tributária e a Agência Portuguesa do Ambiente em tribunal, e, na sequência desta notícia, avançada pelo Expresso, a Movhera retaliou com a suspensão de todos os apoios a entidades locais.

Mais recentemente Miranda do Douro convocou uma assembleia municipal extraordinária, que contou com deputados eleitos pelo distrito de Bragança, com Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e que ditou o reaparecimento de Rui Rio numa iniciativa política.

Além do problema do IMI, falta saber se a EDP tinha ou não de pagar impostos no negócio de 2 mil milhões de euros. Este desfecho, contudo, estará dependente do andamento do processo no Ministério Público.


José Fernandes, in Expresso - 3 de Fevereiro de 2023

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