terça-feira, 2 de outubro de 2018

RIO TÂMEGA - BARRAGENS DA IBERDROLA: Energia: Ecossistema da barragem








RIO TÂMEGA - BARRAGENS DA IBERDROLA

Energia: Ecossistema da barragem

Juan José Dapena (primeiro da esquerda), técnico da Iberdrola, refere que o Sistema Electroprodutor do Tâmega (SET) irá gerar 3500 empregos directos e que “80% do pessoal contratado será da região”. O responsável ambiental ressalva a preocupação da eléctrica com o ambiente, dando como exemplo disso a plantação de duas árvores por cada uma abatida. Ainda assim, multiplicam-se os alertas da comunidade científica a propósito dos danos provocados pelas três barragens do SET, as quais, entre outros impactos, irão alagar zonas como a da foto.

Alterações climáticas, vitória dos peixes invasores, potenciação de sismos. O maior empreendimento em construção em Portugal e uma das maiores barragens europeias dos últimos 25 anos.

Soldadores em arco submerso era especialidade rara, se sequer conhecida, no Alto Tâmega. Ao longo de cinco meses, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), autarquias e a empresa austríaca que ganhou a empreitada da conduta metálica da barragem de Gouvães providenciam esta especialização. “Se não tivéssemos promovido o concurso viriam provavelmente de outros lados”, diz à FORBES Alberto Machado, presidente da Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega.
Este é um dos impactos dos 1,5 mil milhões de euros que a Iberdrola irá investir no Sistema Electroprodutor do Tâmega (SET). Mas não é tudo um lago de paz.
Viela, aldeia de Ribeira de Pena, tem a viabilidade em risco, lemos no Estudo de Impacto Ambiental de 2010. Em Santa Marinha, local de lançamento do empreendimento em Dezembro de 2014, ruas e terrenos agrícolas desaparecerão sob as águas, e o autarca local, Domingos Teixeira, assegura que as pessoas prefeririam as terras à indemnização. Outros efeitos: danos nas estradas e nas casas, devido aos camiões e às “explosões muito agressivas”, diz Domingos. Mas há ganhos no emprego, arrendamento e restauração, assume.
Alberto, autarca de Vila Pouca de Aguiar, assegura que a Iberdrola é muito exigente com os empreiteiros. Em torno da obra, a segurança, a cargo da Securitas, é feita por gente da terra, certificada num curso de dois meses. Cai o desemprego e os operários sem formação específica adquirirem-na.
“Há um número elevadíssimo de engenheiros e enfermeiros do Alto Tâmega contratados pela Iberdrola”, diz Alberto, que ainda assim considera pouco, razão para ser “sempre dos pontos mais debatidos na comissão de acompanhamento das barragens”, explica.

Barragens respondem num minuto

Diz o povo que “em Abril, águas mil”, mas a tradição e o clima já não são o que eram e desde 1931 que não havia um Abril “extremamente seco” como este. Indica ainda o Instituto Português do Mar e da Atmosfera que em 40% das suas estações não caiu “uma gota” até dia 29, e em Faro e Évora o termómetro encostou nos 33 graus Celsius.
Entre ambientalistas e no documento orientador da política do Governo (GOP 2016-2019) salienta-se, sem surpresa, o potencial das fotovoltaicas. Nestas, as variações na produção, em função do clima, oscilam abaixo dos 5%, metade da variação do eólico. Já na hidroelectricidade pode haver variações de 350% entre ano seco e mais chuvoso, explica o presidente da associação de renováveis.
O potencial hidroeléctrico neste nosso clima mediterrânico “é muito baixo”, assegura João Joanaz de Melo, engenheiro do Ambiente, professor universitário e especialista em impactos ambientais. Contudo, tanto as eléctricas como os actuais e ex-governantes defendem que com as barragens reversíveis evita-se desperdício de energia renovável.
De forma abreviada: imagine-se um lago urbano em que a água cai da fonte para o lago, segue para um reservatório e é de novo levada à fonte por intermédio de motores. Nos sistemas de barragens reversíveis, as mesmas vagas de água vão e voltam, a céu aberto e por condutas, produzindo (e gastando) electricidade pelo meio.
Em 2016, na reavaliação do Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) – lançado em 2007 com 10 barragens –, aludia-se à necessidade de armazenar a energia que o solar, biomassa, biogás, mini-hídrica e ondas produzem em excesso. As eólicas, mais produtivas à noite, são o exemplo maior de desperdício.
Na hídrica reversível, a chave do negócio é o portentoso reservatório de água, como se de uma bateria de dimensões “bíblicas” se tratasse. Aí se armazena água, para voltar a produzir electricidade em momentos de maior procura e preço de venda mais alto. E se todo o país ligar o interruptor em simultâneo, a hídrica pode acorrer a um pico de consumo num só minuto, hiato mais baixo entre todas as formas de produção.
Uma década depois de o PNBEPH ter sido lançado, só a barragem de Foz Tua e o SET avançaram. A primeira está prestes a ser inaugurada. O segundo, constituído pelas barragens de Gouvães, Daivões e Alto Tâmega, terá uma das maiores barragens europeias dos últimos 25 anos e estará em construção até 2023.

A carteira do consumidor

Artur Trindade, secretário de Estado da Energia no Governo PSD/CDS que cortou nas “rendas” às eléctricas, por pressão da “troika”, e deu o empurrão final ao PNBEPH, defendeu publicamente que “as barragens não têm qualquer custo para o consumidor”.
À FORBES, o Ministério do Ambiente assegura haver apenas o “incentivo ao investimento” previsto na Portaria 251/2012, e que vigora por 10 anos. A Iberdrola afirma ser apenas uma questão de mercado, com luta entre os produtores para vender à rede, em Portugal ou Espanha, no âmbito do Mercado Ibérico de Electricidade (MIBEL).
A questão das “rendas” voltou à agenda com o Departamento Central de Investigação Penal e Acção Criminal (DCIAP) a confirmar, no dia 2 de Junho, que já há arguidos numa investigação a esta compensação paga pelo Estado. Entre eles estão António Mexia e João Manso Neto, presidentes da EDP e da EDP Renováveis, respectivamente e João Conceição, administrador da REN.
No outro lado da fronteira, em La Muela, nas montanhas a norte de Valência, Juan José Dapena, responsável ambiental da Iberdrola no SET, leva-nos a conhecer a central de Cortes-La Muela, complexo “quase gémeo” do projecto do Alto Tâmega, diz-nos. Destaca-se um mastodôntico “tanque” com 4,5 km de largura, que a eléctrica construiu numa zona plana, e se encontra a 500 metros acima da albufeira.
No SET, o “depósito” será uma barragem, Gouvães, no Rio Torno, a 7 km do Tâmega, onde as barragens de Alto Tâmega e Daivões, separadas por 10 km, também produzirão electricidade. “Aproveitamos as energias excedentárias [quando a produção de todas as fontes é maior que o consumo] para encher o depósito”, explica Juan.
A calma do local e a aparente limpeza da água em La Muela contrasta com a agitação do lado de cá da fronteira. As trocas de água entre o Tâmega e o “depósito” no Torno acabará com a limpidez deste, antevê Rui Cortes, professor catedrático na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e especialista em hidrologia.
Puxada pelas quatro turbinas-bomba (reversíveis, capazes de sugar a água para Gouvães e expeli-la para produzir electricidade) com 880 megawatts (MW) de potência, a água vai voltar a escorrer lá do alto em direcção ao Tâmega durante o dia, quando há mais solicitação à rede. “É o complemento energético perfeito para o rendimento das centrais nucleares”, diz-nos o responsável de La Muela.
Graças ao MIBEL, a Iberdrola pode, em teoria, lucrar por ter em Portugal um empreendimento capaz de aproveitar a energia excedentária de Espanha: se a electricidade for injectada em saldo na rede – ou até a custo zero pelas centrais nucleares, que não podem parar por razão de estabilidade funcional – a companhia poupa na aquisição para bombagem no SET; disparando o valor da electricidade em período nocturno, perde na bombagem mas ganha no preço vendido pelas centrais nucleares, como a de La Muela.
Equação que, diga-se, vale para outros produtores. Com perdas de eficiência na ordem dos 20%, a bombagem é atractiva apenas com preço de venda à rede reduzido. Dos 9121 gigawatt-hora (GWh) produzidos pelas grandes hídricas, quase um terço foi consumido pela bombagem e pelo próprio funcionamento das barragens, indica a Direção-Geral de Energia e Geologia. “Este mecanismo gasta evidentemente energia, mas fá-lo num período em que o objectivo principal é equilibrar o diagrama de cargas”, explica o Ministério do Ambiente à FORBES.
A REN, por seu lado, assume que a reversibilidade que vimos em La Muela e veremos no SET em 2023, é importante para o equilíbrio do sistema e evita desperdiçar a elevada produção eólica – e fotovoltaica. No actual estágio tecnológico, “a bombagem hidroeléctrica é a única forma de armazenamento de energia em grandes quantidades”, ressalva fonte da empresa.
Mas nestes 70 anos da concessão do SET podem ser desenvolvidas mega-baterias e o próprio parque automóvel eléctrico pode tornar-se um “armazém” para a energia nocturna, nota Joanaz de Melo, um dos mais activos agentes anti-PNBEPH e colaborador do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).
Esta associação ambientalista entregou uma queixa crime na Procuradoria-Geral da República relativa às decisões políticas e técnicas que rodearam o programa, processo que, de acordo com o noticiado pelo “Jornal Económico”, já está a ser investigado pelo Ministério Público.

Vieram para ficar

Francisco Nunes Correia, ministro do Ambiente de José Sócrates, assume que “é inquestionável” que qualquer barragem interfere nos rios. “Nada foi feito levianamente, sem preocupações ambientais”, defende um dos “pais” do PNBEPH. Nem todos os danos são inaceitáveis, desde que garantidas as condições essenciais e contrapartidas, diz.
As hidroeléctricas têm “carácter prioritário” nesta altura de maturidade tecnológica, sobretudo num país com 54% da sua capacidade hídrica ainda por explorar, diz o Ministério do Ambiente. Reforçar a capacidade hídrica num momento em que já há potencial de produção acima do consumo (muitas das fontes estão em stand-by para acorrer a períodos de maior procura) “é como ter quatro pneus sobressalentes no carro”, diz Joanaz.
Em 2016, o tempo de apagão na rede foi de 34 segundos, menos de metade do ocorrido em 2010, o ano recorde de consumo de electricidade em Portugal. Desperdiçar menos, via eficiência energética, e não gastar mais, recomenda o professor, advogando que estes investimentos em barragens resultarão inevitavelmente em prejuízos.
Juan assegura que o risco do investimento recai sobre os accionistas da Iberdrola. Além dos lucros que espera obter da operação, a Iberdrola “fica mais conhecida e declara que está em Portugal para mais 70 anos”, diz o engenheiro da eléctrica quando perguntamos qual o racional de vir “empatar” 1,5 mil milhões de euros em Portugal.
Para este período da concessão – que poderá ser prorrogado –, há riscos identificados em estudos (e que valem para a generalidade das barragens reversíveis). Um deles, da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos, indica que a viabilidade dependerá “muito da evolução do custo da energia, do crescimento dos consumos e, sobretudo, da evolução do diferencial entre as tarifas das horas de vazio e das horas cheias”.
Acresce o papel da indústria, que pode desviar produção para o período diurno se não lhe agradar a revisão que o actual Governo está a fazer ao “serviço de interruptibilidade” – os consumidores pagarão este ano 112 milhões de euros a cerca de 50 empresas para que estas parem a produção se o sistema eléctrico nacional estiver sobrecarregado.
A “Directiva de Energias Renováveis”, de 2009, assume que para atingirem critérios de renováveis, os países podem trocar electricidade entre si, o que pode abrir novos mercados a Portugal, tal como o fim do nuclear. Variável essencial, o consumo só no ano passado igualou valores de 2011, ainda a 5,6% do máximo histórico registado em 2010.
Irá crescer para o dobro em 2050 – dentro de 33 anos, menos de metade do período de concessão do SET –, como se previa em 2012?

Gestão política

Em 2015, a negociação do Partido Socialista com os partidos mais à esquerda (a designada “geringonça”) motivou a reavaliação do programa de barragens. Manuela Cunha, dirigente do PEV, admite à FORBES que “o Governo não conseguiu ou não quis parar [o SET] por considerar que já havia obras no terreno e não era possível chegar a acordo sem indemnizar”.
Em 2008, tinham sido pagos 623 milhões de euros pelas eléctricas. Uma década depois do tiro de partida dado por José Sócrates, cinco barragens ficaram sem candidato a exploração (uma delas, Almourol, previa submergir parte de Constância), duas, Girabolhos (Endesa) e Alvito (EDP), foram canceladas na reavaliação feita pelo Executivo de António Costa, e outra, Fridão (EDP) está em suspenso até 2019.
Um alívio momentâneo para a população de Amarante, contestatária da redução do caudal do Tâmega e preocupada com a submersão do centro histórico em caso de uma ruptura da barragem como a verificada em Minas Gerais há ano e meio. “Dá-nos mais tempo”, diz Manuela, antecipando novas batalhas.

A central hidroeléctrica de Cortes-La Muela, gerida pela Iberdrola, servirá como referência para o SET, que arrancou em 2014 e deverá terminar em 2023. O projecto em território nacional vai envolver um investimento de 1,5 mil milhões de euros por parte da empresa espanhola e será composto pelos aproveitamentos de Gouvães, Alto Tâmega e Daivões.
À imagem da central de Cortes-La Muela, também o SET irá recorrer a um sistema de bombagem, que permitirá enviar água que já passou pelas turbinas da barragem até um ponto mais alto – para que a mesma água volte a criar energia -, permitindo assim aproveitar a energia não usada, por exemplo, por centrais eólicas.

Impacto ambiental

Juan José Dapena (na foto ao lado), responsável da Iberdrola, explica à FORBES que há seis anos que estão a ser feitos controlos de água do Tâmega e já se sentem alterações produzidas pelas Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). Desde há um ano faz-se monitorização em mais de 100 poços, diz.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) será respeitado, o caudal ecológico também, a pista de pesca de Cabeceiras de Basto será mantida e por cada árvore abatida serão plantadas duas, assegura. Só que também o EIA é alvo de críticas. Manuela Cunha, do Partido Ecologista “Os Verdes”, refere que a avaliação excluiu, entre outros, os corredores de alta tensão para transporte da electricidade até à rede. Rui Cortes, professor catedrático, apela a um esforço de controlo de fontes de contaminação na albufeira e uma coordenação entre autoridades.
A biodiversidade também sofrerá, com perda de flora e vitória das espécies invasoras, como já acontece no Douro e em Castelo do Bode, onde o peixe gato está a subjugar os autóctones. Com a água presa na barragem e a reversibilidade que colocará a água num vaivém, espera-se formação de marés, degradação da água, surgimento de algas com potencial de irritação cutânea e materiais em suspensão, situação propensa à formação de metano e pouco dada ao turismo, ironiza o professor catedrático.
Para compensar impactos, a Iberdrola empregará 50 milhões de euros em beneficiação de museus, parques naturais, um cemitério, relocalização de uma capela e remodelação do estádio do Desportivo de Chaves.

Permanecem razões para preocupação elevada no Tâmega, que já vem poluído de Espanha e é sobrecarregado a jusante de Chaves por agricultura, indústrias e matadouros. “Não há necessidade de espatifar mais um rio para produzir energia que não gastamos”, considera Joanaz de Melo. O engenheiro Ambiental e professor da Universidade Nova apela a que se olhe a degradação a que chegou a água a jusante, na barragem do Torrão.

, in Forbes - 2 de Outubro de 2018

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