As barragens representam perigo de cheias num planeta em aquecimento
Num período em que Moçambique enfrenta as piores cheias desde a independência, o Presidente Guebuza afirma que a solução é construir mais barragens. No entanto, as barragens são tão boas quanto os seus operadores, desenhistas e técnicos de manutenção – e nenhum destes foram particularmente bons em Kariba. E não existe nenhuma garantia que as barragens que já possuímos sejam capazes de suportar um clima em constante mudança. As nações do Zambeze devem aprender com os erros das outras nações e adoptar um conjunto de técnicas mais flexível, efectivas e sofisticadas, de forma a melhor lidar com as cheias.As cheias são, entre os desastres naturais, as mais destrutivas, mais frequentes e com maior custo. E este facto piora a cada dia. As cheias no Zambeze já afectaram centenas de milhares de pessoas. Mais pessoas morrem a cada dia, na sua grande maioria por doenças causadas pela água contaminada. Ao menos parte deste sofrimento tem prevenção.
No entanto, parece que actualmente, a barragem de Cahora Bassa tem vindo a ser operada de forma mais cuidada, o que não acontece com a barragem de Kariba. Foi admitido pelos operadores da barragem de Kariba que no pico da nossa época de chuvas, a barragem estaria 100% cheia, de forma a maximizar a provisão de energia eléctrica às minas. Os residentes a jusante irão sofrer com esta má gestão.
Este não é o primeiro caso da má gestão de barragens que aconteceu em África. Centenas de pessoas foram mortas e centenas de milhares foram afectadas quando, em 1999 e em 2001, os operadores da barragem Nigeriana abriram as suas comportas sem aviso prévio. O desastre das cheias do ano passado no Gana tornou-se bastante pior quando os operadores de Burkina-Faso abriram as suas comportas para impedir que a barragem de Bagre transbordasse após intensas chuvas. Esta água libertada correu a montante, em direcção a Gana, pelos rios Volta Branco e Negro, embatendo com grande intensidade nos habitantes à margem do XX. Neste caso – bem como em outros por todo Mundo – as barragens que supostamente iriam auxiliar a diminuir as cheias tornaram a situação pior.
Os danos causados pelas barragens tem pairado internacionalmente nas últimas décadas, em parte devido ao facto do aquecimento global estar a causar tempestades cada vez mais intensas, e também porque cada vez mais pessoas vivem e trabalham em planícies aluviais.
As Nações Unidas(ONU) estimam que até 2050, o número de pessoas em risco de desastre de cheias irá aumentar até 2 bilhões. Um factor importante por detrás destes desastres em espiral são as mesmas medidas de controlo que supostamente deveriam proteger contra estas calamidades.
As barragens e represas não conseguem ser sempre à prova de falhas, e quando estas falhas acontecem, ocorrem de forma espectacular, e por vezes são catastróficas. É criada uma falsa percepção de segurança que encoraja projectos de desenvolvimento arriscados em planícies aluviais vulneráveis.
Em demasiados casos de controlo de cheias através de barragens, os habitantes a jusante são colocados em risco por agências que estão mais interessadas em espremer a maior quantidade possível de energia ou de água para irrigação dos reservatórios, do que manter os níveis de água baixos o suficiente para absorver as águas das cheias.
As limitações das formas de controlo convencionais irão se tornar mais evidentes à medida que se realizarem testes às barragens e represas, de forma a testar os seus limites programados, através da indução dos efeitos do aquecimento global.
O autor Jacques Leslie descreve de forma apta as barragens como “armas carregadas apontadas aos rios”. As barragens matam, não só pela negligência e falha dos operadores de barragens em avisar as pessoas a jusante quando as comportas são abertas subitamente, mas também porque estas se desmoronam (em 1975, na China Central, pelo menos 230,000 pessoas morreram devido a uma sequência de falhas de barragens).
Várias barragens de grande porte desmoronaram na Nigéria com consequências mortais, destacam-se a Barragem Bagauda no estado de Kano, em 1988; a Barragem de Cham no estado de Gombe, em 1991 e, a Barragem de Bagoma no estado de Kaduna, em 1994.
Os planos de controlo convencionais de “caminho duro” costumam ignorar os trajectos complexos dos rios e costas. As barragens, represas, o estreitamento e dragagem dos rios desencadeiam mudanças profundas no fluxo da água e sedimentos ao longo das bacias.
Os danos das cheias aumentam quando os engenheiros dos projectos reduzem a capacidade dos canais dos rios, bloqueiam os escoamentos naturais, aumentam a velocidade das inundações, causam subsidência dos deltas e erosão costeira. Adicionando a isto, os planos de controlo convencionais de “caminho duro” normalmente diminuem a saúde ecológica dos rios e estuários. Existe uma forma de lidar com estas inundações – o “caminho suave” na gestão de risco de cheias.
A gestão de risco de cheias assume que todas as infra-estruturas anti-cheias podem falhar, e, estas falhas devem ser planeadas. O “caminho suave” também é baseado num entendimento de que alguma inundação é necessária para a saúde dos ecossistemas ribeirinhos.
Em vez de gastar biliões de dólares em vão a tentar erradicar as cheias, nós devemos reconhecer que as cheias irão acontecer, e aprender a viver com este facto da melhor maneira possível.
Isto significa tomar medidas de forma a diminuir a sua rapidez e tamanho dos rios (por exemplo, restaurar os mangais e o serpentear do curso o rio) e duração (melhorando por exemplo a drenagem).
Isto significa proteger os nossos bens mais valiosos, construindo casas em montes ou sobre pilares, defender áreas urbanas com represas planeadas e mantidas de forma cuidadosa. Isto também significa fazer tudo o que for possível para sair do caminho destrutivo das cheias através de um aviso atempado e medidas de evacuação.
Tais prácticas estão em uso em várias partes do mundo. Na China, estão em curso esforços para efectuar a restauração de 20.000 quilómetros quadrados do mangal de Yangtze, de forma a actuar como área de absorção de inundações.
Estão a ser realizados testes com descargas de hídricas artificiais na Nigéria como meio de reavivar os ecossistemas dos mangais a jusante, desde as Barragens do Tiga e de Challawa Gorge. Neste momento, estão a ser propostas alterações na gestão de águas para a Barragem de Cahora Bassa que poderão reduzir o impacto de grandes inundações e restaurar os ecossistemas a jusante.
Nos Estados Unidos, está em curso no rio Napa, na Califórnia,
um projecto de 10 anos, que tem como objectivo reduzir as cheias e restaurar as marés pantanosas, bem como retirar alguns edifícios da zona de inundações e recuar represas de forma a dar mais espaço ao rio para este se estender.
As comunidades que vivem ao longo do rio mais longo de França, o rio Loire, conseguiram persuadir o governo a esboçar um plano de “controlo de inundações” que favorecesse a restauração do rio e com um sistema de prevenção.
Apesar do consenso Mundial crescente de que a única politica realística de controlo de cheias é a mitigação e não a eliminação, persistem ainda facções poderosas devotas a métodos de controlo de cheias “duros” e obsoletos.
Existe um triângulo de políticos, burocratas e construtores de barragens que continua a prometer a salvação através de represas e barragens após ocorrência de cheias (mesmo quando as cheias se tornaram piores – ou foram causadas – por barragens ou represas já existentes).
No lugar de seguir métodos de gestão de inundações que fracassaram em outros pontos do Mundo, África pode aprender através dos erros de outras nações, e adoptar um conjunto de técnicas mais flexíveis, efectivas e sofisticadas, de forma a lidar melhor com as cheias.
Patrick McCully, in International Rivers - 22 de Fevereiro de 2008
McCully é o autor de “Depois do Dilúvio: Lidando com cheias num Clima em Mudança”, publicado pelo International Rivers - Rede Internacional de Rios.
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