terça-feira, 16 de abril de 2019

PNBEPH - ENERGIA: Barragens de Sócrates: o plano pela metade, o encaixe por inteiro








PNBEPH - ENERGIA
Barragens de Sócrates: o plano pela metade, o encaixe por inteiro

Barragem de Foz Tua. EDP

De dez barragens inicialmente previstas uma está em operação e três em construção. Para o Governo de José Sócrates ficaram os prémios de mais de 600 milhões de euros pagos pela Iberdrola, EDP e Endesa

Recuemos a 2007. O Governo de José Sócrates já havia anunciado as energias renováveis como uma prioridade. Estava em marcha um importante concurso, que traria para Portugal não apenas dezenas de parques eólicos, mas também várias fábricas de torres eólicas. Mas nesse ano o Executivo lançava um outro plano ambicioso: construir uma dezena de barragens que permitiriam ao país aproveitar melhor o seu potencial hídrico e reforçar a quota das energias limpas na produção de eletricidade.

E agora avancemos 12 anos. Esta terça-feira o ministro do Ambiente revelou no Parlamento que a barragem de Fridão não avançará, deixando o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (assim se chamava o plano de Sócrates) reduzido a metade. A deputada Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista Os Verdes, não escondeu a satisfação. “Ganhou o país com esta decisão”.

Fortemente contestado durante mais de uma década por organizações ambientalistas, o programa de barragens acabou por se concretizar de um modo bem diferente do que havia sido traçado pelo Governo de Sócrates. E porquê? No essencial, um misto de morosidade nos processos de licenciamento ambiental e de transformação do sistema elétrico nacional, inundado de nova capacidade eólica (e agora solar) que veio tornar as barragens investimentos menos interessantes para as elétricas.

Globalmente, o Governo Sócrates lançou a concurso uma dezena de barragens, que deveriam somar uma potência de 1096 megawatts (MW) e produzir anualmente 1,6 terawatts hora (TWh), pmenos de 5% do consumo de eletricidade em Portugal. Foz Tua, Fridão, Padroselos, Gouvães, Daivões, Vidago, Almourol, Pinhosão, Girabolhos e Alvito estavam nos planos.

Contudo, no concurso não houve quaisquer propostas para dois empreendimentos de pequena dimensão: Pinhosão (para instalar 77 MW no Vouga) e Almourol (78 MW no Tejo). A Iberdrola ganhou a corrida a quatro projetos no Tâmega (Padroselos, Gouvães, Daivões e Alto Tâmega), a EDP venceu as licitações por Foz Tua, Fridão e Alvito e a Endesa ficou com Girabolhos.

Ficaram na memória várias intervenções de Sócrates sobre o programa de barragens. Como a visita que fez em 2009 às obras de uma das barragens no norte do país, ao lado do presidente executivo da EDP, António Mexia. "Agora só falta aqui cimento", reparava Sócrates, enquanto Mexia, ladeado pelo então ministro da Economia, Manuel Pinho, respondia "está quase!".

Volvidos 12 anos, está construída uma barragem da EDP (Foz Tua) e estão em construção três barragens pela Iberdrola (uma das quatro conquistadas pela elétrica espanhoa caiu por impedimentos ambientais, incluindo-se aí a proteção do mexilhão do rio). E as restantes? Além de duas não licitadas e de uma que foi travada por questões ambientais, houve três desistências (Girabolhos, da Endesa, e Alvito e Fridão, da EDP).

 

Mais de 600 milhões para o Governo Sócrates

As adjudicações dos projetos foram feitas mediante o pagamento de contrapartidas ao Estado. Um processo que encheu os cofres do Estado com 623 milhões de euros: a Iberdrola pagou 304 milhões de euros para avançar com os projetos no Tâmega, a EDP entregou 285 milhões (53,1 milhões por Foz Tua e 231,7 milhões por Fridão) e a Endesa desembolsou 35 milhões por Girabolhos.

Ora, se é um facto que a Iberdrola tem em marcha no Tâmega um dos maiores projetos hidroelétricos da Europa (e o maior investimento energético em curso em Portugal), e por aí tentará recuperar os mais de 300 milhões pagos ao Estado há uma década, também é verdade que a Endesa prescindiu do que pagou por Girabolhos, a EDP desistiu da barragem do Alvito e a mesma EDP abandona agora o projeto de Fridão.

O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, afirmou, em relação a Fridão, que “o Estado acredita que não há razões para a restituição de qualquer montante [pago pela EDP]”. “Tendo em conta a manifestação de desinteresse no projeto, estamos convencidos de que não lugar a qualquer restituição, à semelhança do que aconteceu no Alvito e em Girabolhos”, insistiu Matos Fernandes.

Mas pode a administração da EDP abdicar de reclamar o prémio de quase 232 milhões de euros pago para poder construir a barragem de Fridão? Ou estará obrigada, no cumprimento dos seus deveres para com os acionistas, a exigir a devolução do montante? A EDP ainda não comentou o tema.

Certo é que metade dos projetos do plano de barragens ficaram pelo caminho, mas os prémios pagos pelas elétricas que foram ao concurso ficaram integralmente do lado do Estado.

 

A mudança de contexto

Quando a Endesa desistiu de Girabolhos, em abril de 2016, o seu presidente, Nuno Ribeiro da Silva, assumiu que os donos da empresa (a italiana Enel) já não estavam disponíveis para financiar o empreendimento, num contexto de incerteza regulatória sobre o sector elétrico em Portugal, mesmo que isso custasse a perda dos 35 milhões de euros de prémio pago ao Estado.

Na mesma altura, há três anos, foi cancelado o empreendimento de Alvito e ficou em suspenso (para reavaliação até 2019) o projeto de Fridão. Esta solução servia não apenas os interesses do Governo (pressionado por forte contestação ambientalista) mas também das elétricas (que já então duvidavam da racionalidade económica dos projetos).

Em 2007, quando o plano de barragens foi lançado em Portugal as empresas fizeram contas e concluíram que os empreendimentos faziam sentido. Mas uma década depois já não. Porquê? Vários desenvolvimentos concorrem para explicar a mudança de contexto.

Em 2007 o mercado ibérico de eletricidade (Mibel) estava a dar os primeiros passos. A produção de energia elétrica em Portugal estava ainda fortemente concentrada na EDP (que nesse mesmo ano garantia a continuidade de um conjunto de rendas através do regime CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual).

Mas como o mercado ibérico estava a ser liberalizado, abrindo a comercialização à concorrência, vários grupos (como a Iberdrola e a Endesa) viram no plano de barragens uma oportunidade de reforçarem as suas posições como produtores, também do lado de cá da fronteira.

Contudo, em paralelo começou a crescer em Portugal a capacidade instalada de energia eólica (com tarifas garantidas de venda à rede, ao contrário das novas barragens, que deveriam vender a sua eletricidade sujeitas à volatilidade do preço grossista do Mibel). E em Espanha uma avalanche de projetos fotovoltaicos (altamente subsidiados) ajudou a inundar o mercado ibérico de energia renovável.

Agora, várias centrais hidroelétricas que há 12 anos faziam sentido no plano económico-financeiro são um risco que os promotores preferem não correr. A exceção é a Iberdrola, que terá no Alto Tâmega uma vantagem competitiva, gerindo o caudal e aproveitando os sistemas de bombagem reversível entre três barragens para produzir eletricidade ou armazenar consoante os preços sejam mais altos ou mais baixos.

O Mibel continua fortemente exposto a energias renováveis (muitas delas com preços fixos) que podem, pelo volume que geram, deprimir o preço grossista da eletricidade, o que pode tornar demasiado longo o período de retorno do investimento para centrais que venham a operar em mercado, como as barragens do Governo Sócrates.

A vaga de centrais solares de larga escala que estão a ser projetadas para Portugal vem acentuar mais ainda o cenário de concorrência na produção de eletricidade, puxando os preços para baixo e tornando particularmente complexa a análise de novos investimentos de longo prazo (como são as barragens).

Miguel Prado, in Expresso Economia - 16 de Abril de 2019 

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